O comício comemorativo do centenário do nascimento de Álvaro Cunhal, que no domingo tingiu de vermelho o Campo Pequeno, foi uma inequívoca manifestação de reconhecimento por uma vida de singular militância revolucionária e uma obra notável, com consequência directa no derrubamento da ditadura fascista e no curso da revolução de Abril, que apontou o País ao socialismo. Mas foi, sobretudo, uma confirmação particularmente incisiva de que a luta a que Álvaro Cunhal dedicou toda a sua vida continua. E será vitoriosa.

Há momentos que dificilmente se esquecem. O comício do passado domingo foi seguramente – para os milhares de pessoas que tiveram a oportunidade (e privilégio) de nele participar – um desses momentos únicos.
O recinto repleto; bandeiras vermelhas agitando-se; Luísa Basto a cantar o «Avante, Camarada» ao vivo e a capella (ao mesmo tempo que milhares de pessoas se reuniam num gigantesco abraço colectivo); a emocionante expressão de internacionalismo que foi a saudação geral às delegações de dezenas de partidos comunistas e operários aí presentes; imagens, exibidas em vários ecrãs, de excertos de discursos do próprio Álvaro Cunhal, de viva voz; interminável assobiadela a Cavaco Silva, quando mencionado no discurso do Secretário-geral do PCP; brilhante actuação da Brigada Vítor Jara, a que se juntou o Samuel; participação de várias gerações, com particular destaque para a juventude; quatro desfiles de rua; a afirmação, convicta e determinada, de que «a luta continua!» – foram alguns dos ingredientes que fizeram do comício de domingo uma iniciativa marcante e inesquecível, que entrou directamente para a galeria das realizações históricas do Partido Comunista Português.

Passado, presente, futuro

Tendo tido como mote a comemoração do centenário do nascimento de Álvaro Cunhal, no comício falou-se de História (daquela com agá maiúsculo) e do lugar destacado que nela ocupa o homenageado. Nas intervenções proferidas – do Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, e da dirigente da JCP, Cristina Cardoso (que a seguir transcrevemos na íntegra), como também nas breves palavras iniciais de Luísa Araújo, do Secretariado, que dirigiu a iniciativa – recordou-se Álvaro Cunhal na resistência e na revolução, nas prisões e nas fugas; valorizou-se a sua coragem política, moral e física patentes ao longo de toda uma vida; evocou-se a sua determinação e perseverança demonstradas em momentos particulares, tanto de avanço como de recuo da revolução; realçou-se o papel do Partido Comunista Português (com a sua natureza, identidade e projecto, a cuja definição Álvaro Cunhal fica indelevelmente associado) no derrube do fascismo e no desenvolvimento do processo revolucionário.
Mas no comício – como, aliás, nas próprias comemorações do centenário – olhou-se sobretudo para o futuro, para o legado de Álvaro Cunhal e como ele constitui um estímulo à luta que os comunistas de hoje travam, lado a lado com os trabalhadores e o povo, pela causa a que dedicou toda a sua vida. Não é por isso de estranhar que se tenha falado tanto – nas intervenções como nas palavras de ordem dos desfiles – da luta contra o pacto de agressão das troikas nacional e estrangeira, da necessidade de derrubar o Governo PSD/CDS e o seu Orçamento do Estado e de construir uma alternativa patriótica e de esquerda, da urgência de fazer o País retomar os valores de Abril, de prosseguir o combate pela Democracia Avançada e o socialismo.

O maior dos legados

Se, como dizia Lénine, a revolução se faz com organização e corações ardentes, houve de tudo isso no comício de domingo. Para lá das palavras – dessas daremos conta nas páginas seguintes –, a comemoração do Campo Pequeno foi um momento ímpar de partilha de convicções, ideais e sonhos, daqueles que se fundam nas aspirações concretas do povo, que dele recebem energias e ensinamentos, materializando-se numa abnegada e quotidiana acção revolucionária. Foi, também, ocasião para retemperar forças para a dura luta que aí vem, na qual os milhares de pessoas (comunistas e não só) que ali estiveram assumem um lugar destacado, senão mesmo imprescindível.
Dos imensos legados que Álvaro Cunhal deixa às actuais e futuras gerações de comunistas, à classe operária e aos trabalhadores portugueses e ao próprio movimento comunista internacional, esta forma de viver e conceber a luta revolucionária e o Partido é, seguramente, um dos mais valiosos.

Leia a íntegra do discurso de Jerónimo de Souza, secretário-geral do PCP

Reunimo-nos hoje aqui, neste espaço que tem sido palco de grandes e marcantes iniciativas do nosso Partido, realizadas em momentos cruciais da Revolução Portuguesa de Abril e da nossa vida democrática, mas também de grande celebração, para assinalar um dia muito especial no âmbito das Comemorações do Centenário de Álvaro Cunhal – o dia em que se completam cem anos sobre o seu nascimento.

Um dia muito especial que os comunistas portugueses, seus companheiros de luta e de projecto, assinalam com orgulho com a sua massiva presença neste magnífico comício, mas igualmente os democratas e patriotas que reconhecem em Álvaro Cunhal um dos mais destacados protagonistas da nossa história contemporânea, valoroso combatente pela liberdade, pela democracia, pelo desenvolvimento e independência do país e a prosperidade do seu povo, pela grande causa da libertação dos trabalhadores e dos povos – o socialismo.

Connosco nesta grande iniciativa comemorativa do nascimento de Álvaro Cunhal estão dezenas de delegações estrangeiras de todo o mundo que recebemos no nosso país no âmbito de mais um Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários, permitam-me por isso que, antes de mais, saúde e agradeça a sua presença nesta iniciativa de grande significado para nós e aproveite para reafirmar a nossa total solidariedade à sua luta, à luta que, em condições tão diversas, travam em cada um dos seus países em defesa dos interesses dos trabalhadores e dos seus povos e pela transformação progressista e revolucionária da sociedade.

Este grande comício, sendo uma justa homenagem ao homem, ao comunista, ao intelectual e ao artista que foi Álvaro Cunhal, expressão do reconhecimento da sua vida de dignidade, do seu exemplo de revolucionário íntegro e da importância e actualidade do seu pensamento, da sua obra e da sua luta é, igualmente, uma grande e solene afirmação de vontade colectiva de prosseguimento desse mesmo caminho de luta que Álvaro Cunhal honrou com uma dedicação sem limites.

Uma luta que travou no quadro do seu Partido de toda uma vida – o PCP. Deste Partido que ajudou a construir de forma marcante desde muito cedo e que, como nunca nos cansaremos de afirmar, não seria o que é, com as suas características e identidade, sem o contributo de Álvaro Cunhal, nem Álvaro Cunhal seria o que foi sem este Partido Comunista Português.

Este Partido com uma história gloriosa e ímpar na vida portuguesa. Uma história que se confunde e funde com a história da luta do nosso povo no último século. Um trajecto sem paralelo que é o resultado do sacrifício e abnegação dos seus heróis caídos na luta, e do trabalho de gerações de intrépidos combatentes – mulheres e homens de grande coragem e dedicação à luta dos trabalhadores e do povo – e do seio dos quais sobressai, Álvaro Cunhal, pela sua singular contribuição como organizador destacado do Partido e da luta, pela sua extraordinária capacidade de análise e intervenção políticas, como fecundo teorizador da acção e intervenção revolucionárias, de grande repercussão e impacto na realidade portuguesa.

Com um percurso de setenta anos de ininterrupto combate, percorridos com uma indomável determinação e resistindo às mais terríveis e duras provas em dezenas de anos de vida clandestina e prisão, Álvaro Cunhal, é bem o exemplo do homem de inaudita coragem e firmes convicções.

Uma vida e um percurso de revolucionário que inicia inspirado nos valores e realizações da Revolução de Outubro e selando um compromisso de honra de uma vida inteiramente dedicada à luta da emancipação dos trabalhadores e dos povos.

Um compromisso tomado quando o nosso país enfrentava já a tragédia do fascismo e a tragédia da guerra que, em breve, se iria abater sobre a Europa e o mundo.

Um compromisso de grande coragem, num tempo de terríveis ameaças para a humanidade e grandes perigos para quem se propunha, como Álvaro Cunhal, a ser um protagonista da história que então iniciava nesse dramático início dos anos 30 do século XX.

Um tempo em que, após a sua ilegalização, o PCP se reorganiza com a direcção de Bento Gonçalves como Secretário-geral e inicia a actividade clandestina transformando-se num Partido leninista disposto a enfrentar a ditadura fascista e a travar um combate sem tréguas pelo seu derrubamento.

Opção que marcará a sua vida de intensa acção revolucionária e revelará na sua plenitude o militante, o dirigente comunista e o homem de cultura integral e invulgar inteligência que foi Álvaro Cunhal.

Uma opção que ligará a sua vida à vida e à luta dos trabalhadores e do nosso povo, de outros povos e aos mais importantes acontecimentos da nossa vida colectiva. Ligação que será uma constante em todos os períodos da vida nacional, seja na vida clandestina do Partido durante ditadura fascista, mas também, em liberdade, no processo revolucionário de Abril e no período de resistência à recuperação capitalista, latifundista e imperialista.

No período da ditadura fascista muitas e relevantes foram as contribuições de Álvaro Cunhal, desde logo para o desenvolvimento da luta da classe operária e dos trabalhadores portugueses que identificava como o elemento fundamental e determinante do processo de mudança e motor das grandes transformações, tal como valiosas foram as suas contribuições para a definição de uma justa orientação para a intervenção dos comunistas no seio das massas trabalhadores, no desenvolvimento das formas de organização, intervenção e luta da classe operária, incluindo nos sindicatos, e que haveriam de conduzir a grandes e corajosas lutas nas empresas, nos campos e na frente antifascista.

Isso está patente, no relatório por si apresentado no já longínquo III Congresso do PCP e que permitiu que a classe operária se tivesse transformado na vanguarda da luta de resistência antifascista e criado as condições para o surgimento da Intersindical, em 1970, e esta tivesse desempenhado o papel de relevo que assumiu no processo revolucionário de Abril.

Uma contribuição de grande originalidade de resposta à especificidade da situação portuguesa, quer na via escolhida da intervenção do movimento operário no plano sindical com o abandono dos sindicatos clandestinos e a participação nos sindicatos nacionais do regime, quer no plano das soluções para garantir a unidade da classe operária, que haveria de influenciar e determinar as características únicas que apresenta o movimento sindical unitário português.

Estar onde estão as massas, trabalhar e aprender com elas, e com elas agir na defesa dos seus interesses, era a palavra de ordem que então se impunha concretizar e que conduziu a grandes lutas em décadas de regime fascista que ficarão para sempre na história do movimento operário e sindical português.

Uma contribuição que haveria de alargar-se também ao desenvolvimento e unidade das forças antifascistas e à criação e organização de amplos movimentos unitários políticos e sociais, na afirmação dos quais o PCP se empenhou, visando o derrube da ditadura fascista.

De inquestionável importância foi a sua acção no encontrar das soluções para a intervenção, defesa e desenvolvimento do Partido nas rigorosas condições de clandestinidade. Desde logo no processo de reorganização dos anos 40, com a definição e concretização duma base sólida de direcção, organização e meios do Partido, na aplicação de indispensáveis regras de defesa e na concretização uma forte ligação às massas que iria permitir, em breve, afirmar o Partido como o grande partido nacional da classe operária e da unidade antifascista!

Já Secretário-geral do PCP, destacado e fundamental foi o seu contributo precioso e decisivo na elaboração da teoria da revolução portuguesa – na definição da estratégia e táctica do Partido – com essa obra notável que é o “Rumo à Vitória”, que viria a servir de base ao programa do PCP para a Revolução Democrática e Nacional, aprovado no seu VI Congresso em 1965 e que, inquestionavelmente, criou condições para a Revolução de Abril e para as profundas transformações revolucionárias operadas na sociedade portuguesa. Transformações que se traduziram em importantes conquistas dos trabalhadores e do povo português. Conquistas em defesa das quais Álvaro Cunhal dedicou o melhor do seu saber, da sua experiência e da sua intervenção, como dirigente do PCP, como Deputado, como Ministro da República nos governos provisórios, como Conselheiro de Estado.

No processo da Revolução de Abril, Álvaro Cunhal desenvolveu intensa actividade nas diversas frentes de luta: na organização e reforço do Partido, na dinamização e acção de massas, na unidade das forças democráticas, na afirmação e valorização da aliança Povo-MFA como motor da Revolução, na acção institucional, na luta pelo avanço do processo revolucionário, na defesa e consolidação da democracia.

Um período a partir do qual se revela às grandes massas o dirigente político experimentado e respeitado, firme e confiante, presente em cada uma das grandes iniciativas e batalhas políticas deste empolgante período da vida nacional.

E, igualmente se revela, nas novas condições de liberdade, uma relação de autenticidade do dirigente do partido com o povo, tal como se haveria de revelar o homem e o político que se recusou sempre a viver acima das condições de vida dos seus camaradas e afirma, com o seu exemplo, uma concepção da actividade política como prática para servir o povo e o país e não para acumular vantagens e privilégios pessoais.

A partir de 1976, o PCP e Álvaro Cunhal como seu Secretário-geral, desenvolvem forte intervenção na dinamização da luta organizada dos trabalhadores e do povo contra o processo de recuperação capitalista, latifundista e imperialista e em defesa das conquistas da Revolução.

Estudioso e conhecedor da realidade portuguesa e das relações internacionais, Álvaro Cunhal, dedicou toda a sua vida à solução dos problemas da sociedade portuguesa e à concretização de um projecto de desenvolvimento ao serviço do país.

Isso vê-se em toda a sua extensa e diversificada obra, onde se revela o domínio das teorias e métodos de análise do marxismo-leninismo, que assimilou de forma criativa, e em toda a sua acção e intervenção política partidária e institucional. Uma actividade intensa onde confluíam e fluíam o domínio da política como ciência e a arte de direcção política revolucionária. Uma obra e uma acção que abarcou os mais diversos domínios da nossa vida política, económica, social e cultural, com os quais teve em muitos casos uma relação muito directa de intervenção, muito evidente na atenção e acompanhamento dos problemas da terra e do mundo rural, da juventude, das mulheres e da sua luta pela emancipação social.

Na sua contribuição para responder aos problemas da sociedade portuguesa, assume uma particular dimensão o seu contributo na defesa dos interesses nacionais e da independência do nosso país.

Num momento em que Portugal e o seu povo enfrentam um processo de acelerada usurpação da sua soberania, agravadas pelas imposições do Pacto de Agressão, determinado pelas grandes potências e pelos grandes centros do capitalismo internacional, as suas análises sobre a questão de classe e a questão nacional – sobre os problemas do nacional e do internacional na luta de classes – continuam a ecoar, acutilantes e certeiras, sobre a realidade portuguesa de hoje, particularmente na responsabilidade que cabe ao partido da classe operária e de todos trabalhadores na luta para afirmar o direito inalienável do nosso povo e de cada povo a escolher, sem ingerências externas, o seu próprio destino.

Afirmava Álvaro Cunhal “a burguesia dominante e exploradora deixou de representar os interesses nacionais…No mundo moderno, na época do imperialismo são as classes trabalhadoras que se identificam com os interesses da nação e que reagem contra a dominação e exploração do seu próprio país e pela libertação do domínio estrangeiro”.

Todo o percurso dos últimos anos da contra revolução e da integração europeia em Portugal, e que culminou com a mais recente submissão do país a uma troika estrangeira, aí está para o confirmar.

Somos e queremos continuar a ser um partido internacionalista que atribui uma grande importância aos deveres que são inerentes a essa condição, que rejeita posições autárcicas e combate o nacionalismo reaccionário, mas que sabe, pela sua própria experiência, que a solução dos problemas do povo português só pode ser obra do próprio povo português.

Que é alargando e reforçando prioritariamente a luta no plano nacional pelos interesses concretos dos trabalhadores e do povo, pela libertação do domínio do grande capital monopolista e do imperialismo, que os trabalhadores portugueses e o nosso povo podem dar uma maior contribuição para a sua própria libertação e para a luta geral dos trabalhadores e dos povos.

Por isso também a nossa luta que não espera pela salvação vinda fora, e muito menos, como outros esperam, vinda de uma União Europeia neoliberal, militarista e federalista ao serviço dos mesmos interesses que aqui, no terreno nacional, combatemos para garantir a defesa dos interesses do nosso povo e do país!

Ampla e diversificada foi a contribuição de Álvaro Cunhal para o fortalecimento e unidade do movimento comunista internacional, e deste com a frente anti-imperialista, para o reforço das relações de amizade, solidariedade e cooperação entre partidos comunistas e revolucionários, de apoio ao movimento de libertação nacional, à luta pela paz e de estímulo ao processo de emancipação dos trabalhadores e dos povos.

As suas análises do sistema capitalista e da evolução mundial, suas tendências e forças motrizes e, mais especificamente quanto à noção de processo revolucionário mundial e ao papel do movimento comunista internacional que estão presentes em toda a sua obra teórica, não estão desligadas da importante intervenção do dirigente conhecedor e prestigiado no plano internacional que foi Álvaro Cunhal. Uma intervenção que está espelhada na multiplicidade da sua participação nos mais importantes encontros e fóruns mundiais de debate dos problemas internacionais e na vastíssima rede de relações internacionais que, em nome do nosso Partido, construiu e fortaleceu.

A sua contribuição para a compreensão das causas e consequências das dramáticas derrotas do socialismo e a resposta que foi dada às avassaladoras campanhas sobre a “a morte do comunismo” e o “declínio irreversível” do PCP é um dos grandes legados do património de Álvaro Cunhal. Uma contribuição que afirma e fundamenta a necessidade e actualidade do ideal e do projecto comunistas e reafirma a incapacidade do sistema capitalista com a sua natureza exploradora, opressora, parasitária e agressiva de dar resposta aos problemas da humanidade. Uma contribuição que é uma afirmação de confiança no futuro, na classe operária, nos trabalhadores, na luta do nosso povo, na concretização dos objectivos supremos do seu Partido – a realização da sociedade socialista e o comunismo!

Intelectual, homem de conhecimento, possuidor de uma densa cultura, Álvaro Cunhal, deixou-nos uma importante produção artística, nomeadamente no campo da estética, da criação literária, onde emergem, entre outros, o romance Até Amanhã, Camaradas e as novelas Cinco Dias, Cinco Noites e Fronteiras, mas também nas artes plásticas com obras de desenho e pintura.

Obras que são a expressão de uma arte comprometida, movida por ideais de fraternidade, justiça social e liberdade, que nos falam da resistência e mostram a vida de um povo que sofre e luta.

Uma arte que é um desafio e um apelo à construção de um mundo melhor, mais justo e mais belo.

Do imenso legado de Álvaro Cunhal, os comunistas portugueses não esquecem o seu contributo para a definição e afirmação do Partido Comunista que somos e queremos continuar ser. Não esquecem e valorizam os preciosos e os importantes desenvolvimentos teóricos não apenas para a definição do ideal e projecto comunistas, mas igualmente para a definição das características fundamentais de um Partido Comunista.

Características que estão presentes na prática deste concreto Partido Comunista Português que concebia como um grande colectivo: natureza de classe, teoria revolucionária – o marxismo-leninismo –, democracia interna assente no desenvolvimento criativo do centralismo democrático, linha de massas, projecto do socialismo, patriotismo e internacionalismo.

Características que afirmaram este Partido como um partido de luta e de grandes causas que age quotidianamente na defesa dos trabalhadores e do povo, contra a exploração, as injustiças e as desigualdades, assim reconhecido e respeitado na sociedade portuguesa, mas igualmente como um Partido de projecto, para a concepção do qual Álvaro Cunhal deu igualmente uma contribuição essencial, nomeadamente com o seu destacado contributo para a elaboração do Programa do PCP «Portugal, uma democracia avançada no limiar do século XXI» e que é a base do actual programa do Partido «Uma Democracia Avançada — Os Valores de Abril no Futuro de Portugal».

Um programa que aponta os caminhos para um Portugal com futuro.

Um programa que vem na continuidade histórica da Revolução Democrática e Nacional e das ideias e realizações do 25 Abril, e que projecta esse património de Abril como realidades e necessidades objectivas no futuro do nosso país.

O Programa de uma Democracia Avançada é uma proposta que responde às necessidades concretas da sociedade portuguesa para a actual etapa histórica.

Uma Democracia Avançada que nas suas quatro vertentes – política, económica, social e cultural – e nas suas cinco componentes desenvolve, afirma e incorpora uma concepção de regime e a definição de política democrática que se caracteriza por constituir um projecto de sociedade cuja construção corresponde inteiramente aos interesses da classe operária e dos trabalhadores.

Democracia política que significa liberdades individuais e colectivas, pluralismo, eleições e participação directa do povo.

Democracia económica que implica subordinação do poder económico ao poder político democrático, propriedade social de sectores básicos e estratégicos da economia, coexistência de formações económicas diversas, intervenção dos trabalhadores na gestão das empresas.

Democracia social que inclui direitos dos trabalhadores, condições de vida dignas, acesso generalizado aos serviços e benefícios sociais.

Democracia cultural que se traduz no acesso das massas populares à fruição cultural e liberdade e apoio à criação cultural.

Dimensões que enformam os cinco objectivos fundamentais da Democracia Avançada:

– um regime de liberdade no qual o povo decida do seu destino e um Estado democrático, representativo e participado;

– que assegure um desenvolvimento económico assente numa economia mista, liberta do domínio dos monopólios, ao serviço do povo e do País;

– que concretize uma política social que garanta a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo;

– que promova uma verdadeira política cultural;

– que afirme uma pátria independente e soberana com uma política de paz, amizade e cooperação com todos os povos.

A realização do projecto de Democracia Avançada sendo parte integrante da luta pelo socialismo, é igualmente indissociável da luta que hoje travamos pela concretização da ruptura com a política de direita e da materialização de uma política patriótica e de esquerda que dá corpo a essa construção, num processo que não separa, antes integra de forma coerente o conjunto de objectivos de luta.

Patriótica e de esquerda – duas dimensões da política que propomos e que definimos, tendo em conta a nossa realidade nacional, nomeadamente a crescente colonização económica e consequente subordinação política, que resulta do processo de integração capitalista da União Europeia e de domínio do capital monopolista nacional e internacional no nosso país.

De esquerda, porque inscreve a necessidade de valorização do trabalho, a efectivação dos direitos sociais e das funções sociais do Estado – saúde, educação, protecção social –, uma distribuição do rendimento mais justa e o controlo público dos sectores estratégicos, que assume a defesa dos trabalhadores e de todas as camadas e sectores não monopolistas.

É com o objectivo de concretizar uma tal política que constitui uma condição para assegurar um Portugal com futuro, de justiça social e progresso, soberano e independente, que o PCP apela à convergência de todos os democratas e patriotas, das forças e sectores que verdadeiramente se disponham a assumir a ruptura com a política de direita contra a qual temos lutado e continuamos a lutar.

Neste dia carregado de simbolismo, a grande homenagem que podemos prestar ao incansável combatente de uma vida inteira que foi Álvaro Cunhal é continuar a fortalecer e reforçar o seu Partido de sempre e continuar os combates que são a razão da sua existência.

Desde logo o grande combate da hora presente que travamos pela interrupção de uma política de ruína nacional, pela demissão de um governo e a rejeição de um Pacto de Agressão que estão a conduzir o país ao desastre e o povo ao empobrecimento, pela exigência de eleições antecipadas.

Uma exigência tão mais imperiosa quanto mais dramáticas são as consequências que todos os dias se manifestam no país: desemprego brutal; recessão e destruição de milhares de empresas; empobrecimento crescente e generalizado das populações; aumento brutal da exploração do trabalho e confisco dos seus rendimentos; degradação dos serviços públicos que deveriam garantir o direito de todos à saúde, à educação e à protecção social.

Hoje, por causa desta política de desastre nacional temos um novo e substancial alargamento do número de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza, de mais de um quarto da população portuguesa!

Hoje, por causa desta política de descalabro económico e social e empobrecimento nacional, temos milhares de portugueses a abandonar o país ao ritmo de dez mil pessoas por mês, muitos dos quais jovens, com consequências também desastrosas para o futuro do próprio país.

Hoje, em resultado desta política de ruína, temos um país mais pobre, mais injusto, mais desigual, mais dependente.

Uma realidade que se agravará ainda mais com o programa de terrorismo social que o Governo e a troika estrangeira da União Europeia, BCE e FMI têm em desenvolvimento, e de que a proposta de Orçamento de Estado para 2014 é parte.

Uma proposta de Orçamento de rapina das classes populares que, mais uma vez, segue a via do roubo dos salários, das reformas e pensões, do ataque aos serviços públicos, da venda do património e riqueza do país, do agravamento dos impostos, que o país tem conhecido nestes anos de sistemática depauperação do povo e do país. Um Orçamento a que juntam um conjunto de medidas anti-sociais, nas quais se incluem um novo aumento da idade da reforma para todos os trabalhadores, o despedimento dezenas de milhares de trabalhadores da Administração Pública, o aumento do horário de trabalho e um brutal corte nas suas pensões.

Uma proposta de Orçamento que é mais um passo para impor o Estado mínimo para os trabalhadores e para o povo, e o Estado máximo para o grande capital e seus negócios.

Um Orçamento que, se for aplicado, se traduzirá em mais recessão, mais falências e mais desemprego, agravando o trágico balanço destes anos de governo do PSD/CDS e de agressão e ingerência estrangeira!

Nestes últimos tempos o país andou para trás uma década e não se resolveu nenhum dos tão propalados problemas que serviram para justificar a assinatura do Pacto de Agressão. Milhões de euros de medidas de extorsão dos rendimentos aos trabalhadores, reformados e da população em geral sem que isso significasse qualquer melhoria significativa das contas públicas, da dívida ou da situação económica do país, nem tão pouco garantido o tão anunciado regresso aos mercados.

É este o verdadeiro resultado da aplicação do ilegítimo Pacto de Agressão que o PS e os partidos do actual governo concertaram com a troika estrangeira, à revelia do povo e contra os seus interesses.

Por isso, aí estão a preparar novas maquinações e arranjos, novos programas com os mandantes do sistema financeiro e o directório das grandes potências que o servem, para prosseguir a sua escalada ofensiva visando o empobrecimento dos portugueses, utilizando a mentira e a chantagem.

Novos arranjos e novos programas que significam não apenas o reconhecimento do fracasso da sua política fraudulenta e de quanto sofista é a sua argumentação de que a proposta de Orçamento que aí está de roubo e extorsão é para salvar o país e quanto ilusório e fraudulento é o “milagre económico” português que agora passaram a anunciar.

Novos arranjos que são, acima de tudo, novos pretextos para justificar novos e mais duros golpes nas condições de vida dos portugueses para além de 2014 e levar ainda mais longe esse caminho de destruição e empobrecimento do país e do povo que se ampliou com o Pacto de Agressão.

Escondem dos portugueses que tais arranjos e programa que preparam com troika ou sem troika, chamem-se eles cautelares, de seguros ou de resgate, implicam inevitavelmente novas condições de submissão do país e do seu projecto de desenvolvimento. Novas medidas de exploração, regressão social, novos cortes nos direitos sociais, nas reformas e nos salários, iguais às que temos vindo a assistir com as políticas e medidas do Pacto de Agressão. Definiram objectivos. Escolheram quem são as vítimas e os alvos. Só lhes falta acertar o modo e o papel do PS para salvar e prosseguir a política de direita!

A solução não são novos pactos com medidas de extorsão do país e dos portugueses, mas a renegociação da dívida nos seus montantes, juros, prazos e condições de pagamento, com a assunção imediata da redução do serviço da dívida e uma nova política alternativa, patriótica e de esquerda, capaz de pôr o país a produzir e a criar emprego!

Uma política alternativa e um governo – patriótico e de esquerda – para a levar à prática, que assume o compromisso de repor todos os direitos e rendimentos que têm sido e estão a ser roubados a pretexto de um ilegítimo Pacto de Agressão!

Não podemos aceitar que este governo ilegítimo, que governa contra a Constituição e faz o contrário do que anunciou, mentindo aos portugueses, que conta com o Presidente da República para rasgar o juramento que fez, continue o seu rumo de destruição dos direitos do nosso povo ao trabalho, ao trabalho com direitos e justamente remunerado, o direito a uma pensão e uma reforma dignas, à saúde, à educação, à protecção social e à cultura.

O país precisa de travar o passo à política de saque dos trabalhadores e do povo!

A intensificação e alargamento da luta, de todas as lutas, pequenas e grandes, nas empresas, nos locais de trabalho e na rua e lá onde os interesses das populações são postos em causa, continua a ser a questão decisiva para apressar o momento da derrota do governo e libertar o país da sua política de desastre.

Neste momento de redobrada ofensiva do governo do PSD/CDS, o PCP saúda as muitas lutas realizadas e em desenvolvimento, dos trabalhadores dos transportes, da Administração Pública, dos CTT, dos militares, das forças de segurança e muitas outras e reafirma a solidariedade e o empenhamento dos comunistas portugueses para assegurar o êxito das lutas em curso e em perspectiva, nomeadamente a grande jornada do Dia Nacional de Indignação e Luta, marcada pela CGTP para o próximo dia 26 de Novembro!

O país não pode adiar por mais tempo uma mudança de rumo, uma verdadeira mudança alternativa e não as falsas e perversas soluções dos partidos do rotativismo nacional.

Uma verdadeira alternativa que tem o PCP como uma força indispensável e insubstituível na sua construção e realização. Deste Partido Comunista Português que é a grande e fidedigna força de Oposição à política de direita. Deste Partido que, como nenhum outro, desempenha um papel fundamental na dinamização da luta de massas, em estreita ligação à classe operária, aos trabalhadores e ao nosso povo pela solução dos seus problemas. Deste Partido que derrotou e deitou por terra os presságios das aves agoirentas do grande capital que o tinham condenado ao desaparecimento. Deste Partido que se afirma, cada vez mais, como um Partido com futuro, um Partido que se reforça no plano social, político, mas também eleitoral, como acabou de mostrar com a grande vitória nas recentes eleições autárquicas. A única força política que cresceu em votos, percentagem, maiorias e mandatos. Que retomou a maioria em importantes municípios do país. Uma vitória que mostra que não só é possível recuperar posições como avançar e dar a volta à actual situação de degradação e crise, com o apoio dos trabalhadores e do povo, e da sua luta. Uma vitória que mostra que este é um Partido que está pronto a assumir todas as responsabilidades que o povo lhe queira confiar, porque este é um Partido que não vira a cara à luta em nenhuma circunstância!

Um Partido que se orgulha da sua história feita de mil combates em defesa dos trabalhadores, do povo e do país, mas que tem sempre os olhos postos no presente e no futuro. Um Partido que tem no legado de Álvaro Cunhal e no seu exemplo de homem e revolucionário, patriota e internacionalista de corpo inteiro, uma fonte de inspiração e conhecimento na procura de respostas que a vida sempre exige aos que não abdicam de continuar a abrir os caminhos da transformação social e do progresso dos povos. Desse legado e exemplo que estão firmemente ancorados no ideal comunista da construção de uma sociedade nova e fraterna. Um ideal que Álvaro Cunhal prestigiou e honrou com toda a sua exaltante vida feita de verticalidade, coerência, coragem e de ininterrupta luta na procura dos caminhos da vitória sobre a injustiça e as desigualdades e na concretização desse sonho milenar da construção de uma sociedade liberta da exploração do homem pelo outro homem!

Esse sonho avançado que este Partido Comunista Português transporta e transportará para se tornar um dia realidade, porque essa é a razão suprema da sua luta!