Há reflexões que se estabelecem na intersecção entre as coisas preciosas e as necessárias. Este opúsculo do Dr. Durval Noronha Goyos Jr. é uma delas. Concisa e culta, ela traz à tona episódios marcantes da nacionalidade e do papel do Brasil no mundo. Resgata homenagens merecidas a um pugilo de combatentes da Força Expedicionária Brasileira e os serviços prestados à causa democrática nacional e internacional naqueles terríveis anos da 2ª. Guerra Mundial, a maior do século 20.

As nações não vivem permanentemente estado de paixão ou de revolução. Ao contrário. Salvo a evolução normal e contraditória, elas na maioria das vezes nem contam com oportunidades para grandes saltos civilizacionais; às vezes retrocedem desmoralizadas, como dá conta o fim da URSS nos anos 1990 e mesmo alguns países da Europa nos dias atuais..

Isso é necessário dizer, porque o Brasil viveu nos episódios retratados momentos apaixonantes, quando se abriram perspectivas para uma nação mais autônoma, de direitos sociais e com liberdade. De forma profundamente contraditória, a Era Vargas iniciada em 1930, com a Revolução Liberal, abriu um percurso histórico que levou o país à modernidade, ao longo dos praticamente 50 anos em que subsistiu, alternando democracia e ditaduras, à guisa da ameaça comunista. Os que sim se desmoralizaram (e à nação) foram aqueles que proclamaram o intento de enterrar a Era Vargas e produziram, nos anos 1990, sob Fernando Henrique Cardoso presidente, um retrocesso nacional.

Os anos 1939-1945, da grande guerra, foram incubados na crise capitalista de 1929, a segunda grande crise e a maior, só rivalizada pela que tem curso no mundo hoje. Intentava-se repartir o mundo entre esferas de influência imperialistas. Tinha lugar o fascismo e o nazismo, tão bem retratados neste livro. Foi época de confrontos políticos, ideológicos e militares talvez irrepetíveis (torcemos) em sua radicalidade.

Opunha-se a isso profundo anseio libertário, tanto no mundo quanto no Brasil, sob o tacão ditatorial do Estado Novo. Na Europa, assumia a forma de poderoso movimento político e social, da resistência armada dos “partigiani” na Itália, das forças republicanas internacionalistas na guerra civil espanhola, da resistência francesa. Tinha-se a reserva estratégica da URSS, cujo papel foi decisivo na Grande Guerra Patriótica, inscrevendo página das mais memoráveis da história militar com a vitória contra o cerco a Stalingrado que decidiu o destino da 2ª. Guerra Mundial.

Igualmente aqui no Brasil, na forma de movimento de massas, que clamava contra o fim da ditadura e pela libertação nacional. Tratou-se, repito, de um desses momentos de paixão, sob risco da própria vida, quando os destinos da coletividade se soldam e impõem sobre os individuais.

Uma das bandeiras era, exatamente, a intervenção brasileira em apoio às forças aliadas. Havia aí um cálculo estratégico – a vitória de tais forças abriria o país à democracia, como ocorreu em 1945. O que não escapou à visão estratégica de Vargas, um dos maiores estadistas brasileiros, ao lado de José Bonifácio e alguns outros como o Barão do Rio Branco. Arguto, manobrou; primeiro com o “eixo”, depois com os aliados, via os norte-americanos. Não por acaso Roosevelt, na visita ao país mencionada no livro, afirmara que o New Deal (que tirara os EUA da crise) tinha um pai primeiro, Getúlio Vargas. Ele logrou, assim, conquistas para a industrialização brasileira, base para a modernização do país.

Daí a importância da FEB na luta ao lado dos aliados, prestando serviços à liberdade na Itália. Isso resultou de uma marca recorrente dos momentos definidores da brasilidade e da nação: unir amplamente o povo, de diferentes tendências, até insuspeitável unidade pelos termos “normais”. E outra questão saliente, da mesma brasilidade: a marca integracionista que caracteriza nosso povo. A FEB foi constituída em grande parte pelos descendentes dos próprios italianos, alemães e japoneses – países do eixo nazi-fascista – que, em grande monta, faziam a demografia brasileira, sobretudo em São Paulo e no sul do país. Prova maior de anseio democrático e impulso humanista que nos marca, não há. O próprio Vargas fazia questão, como se diz no livro, de uma FEB que expressasse o contingente da nacionalidade, com pracinhas de 21 Estados.

Poderosa força essa união do povo, no caso alcançada até mesmo entre trabalhadores e setores das forças armadas, contra o quê viria a se insurgir o espírito protofascista do general que sucedeu a Vargas, desunindo-o em nome da Guerra Fria, como se o povo fosse uma espécie de inimigo interno, mais perigoso até que as ameaças externas vividas por uma nação jovem que almejava desenvolver-se e ocupar seu espaço no mundo. Sabe-se no que dá quando prevalece esse tipo de ideologia – a nação paga o preço. Não há nação sem povo, não há povo atuante em defesa da nação sem democracia.

A lição foi vastamente aproveitada nos dias descritos na obra do Dr. Durval Noronha. E é válida até hoje, quando o Brasil se depara com novas oportunidades para sua afirmação nacional, democrática e popular, e a Itália se bate contra uma crise tremenda, levada à desmoralização política exatamente pelas políticas antinacionais e antipopulares.

Espero que este livro promova o reconhecimento mútuo entre italianos e brasileiros – que não tem faltado –, especificamente no papel da FEB na libertação da Itália do jugo fascista. Eu as rendo, pois tal mobilização teve o concurso marcante dos comunistas; rendo-as aos italianos e brasileiros de duas pátrias como os que lá combateram e aqui os sustentaram, como também o exemplo maior de Giuseppe Garibaldi e Anita Garibaldi. Homenageio todos que abraçaram a causa da liberdade e do interesse estratégico da nação, como o faz o Dr. Durval nos dias presentes.

Até porque, em termos históricos, a época caracterizada aqui ainda não findou: é a época da liberdade e do humanismo, a época da justiça e progresso social, a época da autodeterminação dos povos e nações, contra o imperialismo de qualquer cor, qualquer tipo. Tais anseios são invencíveis. E são iluminados por gente como o amigo que assina este livro.

Walter Sorrentino, médico, é dirigente nacional do Partido Comunista do Brasil.

Este texto é a reprodução do posfácio do livro.