No começo da noite,

Na esquina da Anhanguera com a Tocantins

No alto do antigo Edifício Cine Capri,

Numa miúda sala

Eles debatiam uma grandiosa causa.

 

Eram homens, generosas mulheres.

Em voz baixa traçavam planos

Para arrancar dos tiranos

As chaves dos cárceres e deles libertar

Pessoas tão boas quanto eles.

 

Eram mães, irmãos, amigos, companheiros

Da melhor parte da nação

– que por ter esta qualidade –

Estava exilada, clandestina ou encarcerada.

Sabiam que estavam sendo espionados,

Que seriam perseguidos,

Mas enquanto os outros estiverem presos

Fazia-lhes mal o ar da liberdade.

 

Como divergiam

Quanto ao melhor caminho!

A redação de um parágrafo

Às vezes demorava horas.

 

Eu era muito novo, muito puro

E os obedecia como um sacristão

Que do sacerdote recebe a ordem

De fazer soar os sinos.

 

Mas veio a vitória.

No aeroporto recebíamos

Os anistiados como se fossem santos

Ou chefes de Estado.

Uns magros e barbudos,

Outros gordos e alinhados.

 

Quanta energia minha juventude

Alimentou-se da alegria e das lágrimas

Do reencontro de mães e filhos, de namorados,

De companheiros,

Antes separados pelas grades.

Lá no DCE ouvíamos os relatos do cárcere.

Eles evitavam falar das atrocidades, das torturas,

Da tristeza das mortes, das máculas dos

desertores

E delatores.

Eles falavam de uma nova Anistia:

Eles estavam livres,

Agora era preciso libertar o país e o seu povo.

 

Livro: As delícias do amargo & uma homenagem poemas

Autor: Adalberto Monteiro

Editora: Anita Garibaldi

Ano 2006