Na água limpa de um regato,
matava a sede um Cordeiro,
quando, saindo do mato,
veio um Lobo carniceiro.

Tinha a barriga vazia,
não comera o dia inteiro.
– Como tu ousas sujar
a água que estou bebendo?
– rosnou o Lobo, a antegozar
o almoço. – Fica sabendo
que caro vais me pagar!

– Senhor – falou o Cordeiro –
encareço à Vossa Alteza
que me desculpeis, mas acho
que vos enganais: bebendo,
quase dez braças abaixo
de vós, nesta correnteza,
não posso sujar-vos a água.

– Não importa. Guardo mágoa
de ti, que ano passado,
me destrataste, fingindo!
– Mas eu nem tinha nascido.
– Pois então foi teu irmão.
– Não tenho irmão, Excelência.
– Chega de argumentação.
Estou perdendo a paciência!
–    Não vos zangueis, desculpai!
– Não foi teu irmão? Foi teu pai
ou senão foi teu avô –
disse o Lobo carniceiro.
E ao Cordeiro devorou.

Onde a lei não existe, ao que parece,
a razão do mais forte prevalece.

 
Fábulas – La Fontaine  
Tradução de Ferreira Gullar
Ilustrações de Gustave Doré
Editora Revan – 4ª edição, maio de 1999.