Três ou quatro semanas atrás, tive a oportunidade de proferir uma palestra para o Corpo Docente da Faculdade onde exerço a função de consultor dos cursos da área de comunicação. O tema solicitado foi o emprego da criatividade nas salas de aula. Frustrando talvez a expectativa de alguns professores que esperavam sugestões de macetes para tornar mais atrativas suas preleções, creio que a maioria deles pode aproveitar a colocação conceitual que tentei fazer, comparando a tarefa de ensinar à concepção de uma obra de arte, ainda que modesta, ainda que despretensiosa; convencido que estou de que a criatividade prende a atenção do aluno e provoca uma expectativa de continuidade.

      Iniciei a palestra exibindo a fotografia puramente documental de uma mulher nua e continuei mostrando outros nus femininos usados na concepção de obras de arte. Vali-me deste expediente para demonstrar como a criatividade muda o significado de uma imagem. Para facilitar o entendimento, tratei de exibir obras de escultura e pintura das mais conhecidas e consagradas de várias épocas, como a Vênus de Milo, por exemplo. Ao terminar a redação do roteiro-guia para disciplinar a palestra, no entanto, me dei conta que não tinha incluído a projeção de nenhuma obra contemporânea; isto é, desses últimos 30 anos da História da Arte, um período vagamente denominado de Pós-Moderno.

      Quem está acostumado  a escrever crônicas ou outros pequenos textos nos quais pretende enfocar algumas reflexões sobre assuntos de qualquer natureza sabe o quanto é comum fazer uso de um “gancho”, ou seja iniciar a redação narrando um episódio ou expondo um pensamento que, apesar de sua relevância, lhe servirá sobretudo como ponte para discorrer a respeito de outro tema de conteúdo mais polêmico. Acho que hoje estou abusando desse recurso, mas vamos lá, o leitor há de me perdoar.

      Assim como se convencionou denominar de Arte Moderna – sem discordâncias e sem reticências quanto ao seu sentido abrangente – tudo o que aconteceu de revolucionário e fascinante nas artes plásticas ao longo de um século (desde 1860 até 1960, ou seja, do Impressionismo até a Op e a Pop Art; esparramando uma dúzia de “ismos”), alguém tentou apelidar de Pós-Moderno tudo aquilo que aconteceu de três décadas para cá. Aconteceu? Ou tentou acontecer? Todos nós somos testemunhas de uma porção de propostas – incluindo neo-issos e neo-aquilos – que não tiveram ou perderam consistência, esvaziando cada vez mais o eventual significado da pretensiosa denominação de Pós-Modernismo. Aliás, a denominação está caindo em desuso e já vai tarde. Não é de estranhar, portanto, que historiadores e críticos de arte estejam, no mínimo, perplexos, quando não espantados com essa profunda crise de criatividade artística. Em compensação, todo o poder criativo do gênero humano explodiu no campo científico. Em menos de um século – da fissão nuclear à informática – o homem criou coisas inimagináveis, totalmente imprevisíveis antes do Século 20, que não cabiam nem nas mentes dos mais alucinados autores de ficção científica.

      Será que o homem não precisa mais de novas formas de artes plásticas? Será que a avalanche de informações e reproduções de obras de tempos passados, que pode colher em qualquer computador, já bastam para satisfazer sua curiosidade? Será que as artes visuais passaram para o campo da pura diversão? Será que o tão prestigiado design, herdeiro legítimo de todos os grafismos, criados ao longo de alguns milênios de criação artística, não será, no fundo, e apesar de sedutor, um mero decorativismo?

      Os inconformados com o meu pessimismo podem atirar pedras que eu tratarei de me esquivar. Sonhando que ressurja em nossos dias um Michelangelo que dissecava cadáveres à revelia da proibição da Igreja, para estudar os corpos humanos e reproduzi-los naqueles incríveis perspectivas da Capela Sistina; ou um Cézanne que interpretava paisagens e gente como elementos arquitetônicos ideais de uma composição pictórica; ou um Picasso que ao pintar um incompreensível quadro intitulado “Les Demoiselles d´Avignon”, em 1907, mudou para sempre a natureza e o entendimento de uma obra de arte, que deixou de ser a reprodução de qualquer coisa para adquirir a autonomia de um objeto com a propriedade de atingir a nossa sensibilidade de uma forma única e rara.