Vinho da primavera… Vinho do outono, dai-me
meus companheiros, uma mesa em que caiam
folhas equinociais, e o grande rio do mundo
que empalideça um pouco movendo o seu som
longe de nossos cantos.
Sou um bom companheiro.

Não entraste nesta casa para que te arrancasses
um pedaço do ser. Talvez quando te vás
leves algo meu, castanhas, rosas ou
uma segurança de raízes ou navios
que quis compartilhar contigo, companheiro.

Canta comigo até que as taças
se derramem deixando púrpura desprendida
sobre a mesa.
Esse  mel vem à tua boca
da terra, de seus obscuros racimos.

Quantos me faltam, sombras do canto,
companheiros
que amei oferecendo a face, tirando de minha vida
a incomparável ciência varonil que professo,
a amizade, arvoredo de rugosa ternura.

Dá-me a mão, encontra-te comigo,
simples, não busques nada em minhas palavras,
a não ser a emanação duma planta nua.
Por que me pedes mais que a um operário? Já
sabes
que a golpes fui forjando minha enterrada forja,
e que não quero falar a não ser como é minha
língua.

Sai a procurar doutores se não te agrada o vento.

Nós cantaremos com o vinho áspero
da terra: golpearemos as taças do outono,
e a guitarra ou o silêncio irão trazendo
linhas de amor, linguagem de rios que não existem,
estrofes adoradas que não têm sentido.

Pablo Neruda
Canto Geral
Tradução de Paulo Mendes Campos
Revista por Maria José de Queiroz
Difel/Difusão Editorial – edição 1979