Quando pequena participava dos dramas organizados pela criançada da rua. Amigos que se reuniam e preparavam um teatro capaz de encantar todo o povo dos arredores.

      Escolha do local, poemas para recitar, comédias curtas e músicas. O feitio da roupas. A decoração do ambiente. A maquiagem e principalmente a oportunidade de se apresentar em público. Ingressos cobrados. Eram dias de preparação que envolviam a vizinhança inteira.

      O palco fazia qualquer um tremer. A emoção era maior do que qualquer criança… e a felicidade depois da saída, ficou marcado para sempre na minha memória. Aplausos, que ainda consigo escutar.

      Antes de começar a apresentação, devagarinho, olhava por entre as cortinas, se já tinha público. E se os amigos, a família já haviam chegado. Numa noite destas, o meu olhar caiu em cima do meu primeiro amor, sentado numa das cadeiras da frente. Fiquei paralizada pela alegria. A sua presença na platéia motivou em mim uma reviravolta, a menina acanhada se encheu de coragam e com o coração aos pulos, recitou Canção do Exílio de Gonçalves Dias. Palavras decoradas e gestos ensaiados especialmente para ele, que nunca percebeu a minha exibição, ainda infantil. Naquela noite, entre tantas alegrias fui acariciada pela generosidade da meninada, que de pé aplaudiu a minha declamação.

      Olhando o cenário depois de algumas décadas, percebo o valor enorme destas dramatizações. Foram experimentos significativos, capazes de forlalecer nossas relações de amizades. Um teste de aprendizagem do diálogo. Exercício da fala e do comportamento.

      No palco, era possível sonhar, me vestia de autoridade, dava ordens, chorava, sorria, cantava e dançava. Vivia momentos do futuro, que eu criava para mim mesma. Ali, eu me revelava, falava palavras novas e ficava feliz pela minha ousadia. Era uma fantasia, real, que enriquecia a vida. Um leque de possibilidades que me transportava para um mundo novo. Era sentir-se dona da situação, naquele espaço eu dirigia a minha própria vida. E esta responsabilidade fazia os meus olhos brilharem. Ouvia de dentro de mim comandos que davam a direção do tempo. Mesmo quando chorava, quando tudo dava errado, quando esquecia o texto e ficava plantada em cima do palco sem saber o que fazer, mesmo quando as palmas eram trocadas por gargalhadas, mesmo assim, eu me sentia forte.

      O teatro da infância, não tinha máscara. Quando as cortinas se abriam, éramos nós mesmas e nos mostrávamos verdadeiramente. As emoções eram tão transparentes, que a face ruborizava a cada tropeço e o sorriso se abria mesmo fora de cena.

      Quero continuar aquela criança que mesmo quando chorava mostrava a sua velentia.

      As apresentações que fizemos, e não foram poucas, mostravam a vontade de um grupo de crianças e adolescentes em preservar os valores e a cultura local, em descobrir novos caminhos pelas artes e principalmente manifestavam o desejo de participar ativamente da vida em sociedade.

      Enquanto coloco uma lupa para ver melhor essas dramatizações, vejo o trabalho maravilhoso desta meninada, que de uma forma espontânea, conseguiu viver e proporcionar alegrias e sonhos. Momentos para nunca esquecer.

      E é assim, a vida quase sempre se mostra uma tecelã hábil e de tempos em tempos nos presenteia com uma peça de rara beleza. Às vezes tecida com sobras de linhas generosas, que foram ficando em cestos largados nos momentos, em que os sentimentos eram tão intensos que se espalhavam em restos de afetos pelos cantos da vida.

      Agora tenho diante de mim, pedaços da vida, pinçados da memória e colocados na palma da mão.

      A apresentação terminou. Mas, vou deixar as cortinas abertas para que a bravura desta criançada possa florescer dentro dos nossos corações.

      Palmas!