O morcego

 

Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
na bruta ardência orgânica da sede,
morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

 

 

“Vou mandar levantar outra parede…”
— digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
e olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
circularmente sobre a minha rede!

 

 

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
a tocá-lo. Minh’alma se concentra.
que ventre produziu tão feio parto?!

 

 

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
imperceptivelmente em nosso quarto!

 

 

Augusto dos Anjos – Livro dos Poemas / organização de Sergio Faraco