A perda de Haroldo Lima, vítima de consequências da Covid-19, tem grande dimensão. Sua participação, de forma ativa e decisiva, em um importante período da história recente do Brasil foi marcante. Nascido em Caetité (BA) em 7 de outubro de 1939, ainda na juventude iniciou suas atividades na Juventude Universitária Católica (JUC) como estudante da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde ingressou no final da década de 1950 e se formou engenheiro elétrico, e foi diretor do jornal da União Nacional dos Estudantes (UNE) da Bahia.

Como militante da JUC, Haroldo Lima foi um dos fundadores da Ação Popular (AP), importante organização da juventude que teria uma atuação marcante no combate à ditadura militar. Ele e seus companheiros Duarte Pacheco Pereira, Aldo Arantes e Renato Rabelo, entre outros, protagonizaram a evolução do debate interno na AP, entre 1968 e 1971, quando a organização aprovou o “programa básico” e mudou o nome para Ação Popular Marxista-Leninista (APML), que em seguida seria incorporada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Os dirigentes da APML foram recebidos com elogios por serem jovens entusiasmados com o projeto de lutar pela derrubada da ditadura. João Amazonas e Pedro Pomar, que representaram o PCdoB na formalização da incorporação, disseram aos jovens da APML que eles estavam entrando no Partido em um momento de alto risco, quando a repressão promovia uma caçada aos comunistas em decorrência da Guerrilha do Araguaia. Estavam pondo a vida em perigo. O processo de incorporação foi concluído com um documento elaborado por Haroldo Lima — representando a AP — e João Amazonas, aprovado por unanimidade no Comitê Central.

Durante o ano de 1973, alguns dirigentes da AP começaram a auxiliar a Executiva do PCdoB, entre eles Haroldo Lima – além de Aldo Arantes, Renato Rabelo, Péricles de Souza, João Batista Drummond, Ronald Freitas e José Novaes. A caçada ao PCdoB nas cidades, em paralelo com as campanhas militares no teatro da Guerrilha do Araguaia, também era feroz. O objetivo era acabar com a Guerrilha, num primeiro momento, e depois varrer para os porões da repressão todos os que potencialmente representavam alguma ameaça ao regime. Nessas circunstâncias, Haroldo Lima foi preso, em 16 de dezembro de 1976, no episódio que ficou conhecido como “Chacina da Lapa”, quando foram mortos Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond.

Haroldo Lima passou por torturas brutais e seria anistiado em julgamento de 40 processos envolvendo 326 pessoas – entre as quais Luiz Carlos Prestes, Leonel Brizola e Márcio Moreira Alves – pelo Superior Tribunal Militar, em 30 de agosto de 1979, com base na Lei da Anistia aprovada no Congresso Nacional nove dias antes. Imediatamente, lançou-se à luta pelo fim da ditadura militar.

Com o PCdoB clandestino, filiou-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e elegeu-se pela Bahia deputado federal em 1982. Naquela legislatura, o PCdoB teria, atuando no PMDB, mais três deputados – Aldo Arantes, Luís Guedes e Aurélio Peres –, que atuou de forma combativa no processo que encerrou o regime militar, marcado pelo grande movimento de massa conhecido como “Direitas já!” e pelo movimento popular que elevou à eleição de Tancredo Neves presidente da República.  

Com a legalização do PCdoB, em 5 de agosto de 1985, do PCB, Haroldo Lima, Aurélio Peres comunicaram ao presidente do PMDB, deputado Ulisses Guimarães, a decisão de desligar-se do partido. A bancada do PCdoB seria liderada por ele. Dois dias depois, pronunciou pela primeira vez, depois de 37 anos, um discurso como representante do Partido Comunista do Brasil.

Lembrou o último discurso de um parlamentar comunista, o deputado Maurício Grabois, proferido na Câmara no dia 7 de agosto de 1947, protestando contra a cassação dos mandatos comunistas. Lembrou também a participação dos comunistas no processo de transição democrática que se concretizou com a Nova República e, com a morte de Tancredo Neves, declarou o apoio do PCdoB a Sarney.

Haroldo Lima seria reeleito pelo povo baiano por quatro mandados pela legenda do PCdoB. Além da sua qualidade de tribuno, destacou-se atuando em importantes comissões da Câmara dos Deputados. Foi vice-líder do PMDB e líder da bancada comunista, inclusive na Constituinte, além de integrar as comissões de Sistematização e de Redação, e liderou o bloco que unia o PCdoB e o Partido Socialista Brasileiro (PSB).

Em 2005, foi indicado pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Sua participação no processo de descobrimento do pré-sal e sistematização da sua exploração – como o regime de partilha – foi fundamental. A partir da ANP foi possível contribuir com o fortalecimento da Petrobras como importante instrumento para a soberania nacional e o desenvolvimento econômico e social do país. Participou também do desenvolvimento da política de etanol e biodiesel, para ele um importante patrimônio tecnológico nacional.

No campo das ideias, da luta teórica, Haroldo Lima foi também um importante protagonista, conforme mostra sua vasta produção de artigos e ensaios na imprensa partidária, em conferências, entrevistas e palestras. Foi professor da Escola Nacional João Amazonas, do PCdoB, contribuindo para a formação de novas gerações de comunistas.

Outra marca destacada é a sua atuação como construtor do PCdoB, cujo exemplo mais destacado é o estado da Bahia, com um Partido forte. Viajava por todo país, colaborando para a organização e o fortalecimento do PCdoB. Como deputado, Haroldo Lima, além da sua rica atuação no parlamento, fez de seus mandatos canais de expressão do povo e da luta dos trabalhadores e contribuía para disseminar o Programa do Partido.

Haroldo Lima foi também engenheiro e chefe da divisão de operações e manutenção da Companhia de Eletricidade da Bahia (Coelba). Publicou os trabalhos Contribuição ao Estudo Científico da Sociedade Brasileira (1970), Itinerário (1979), Questões sobre a Constituinte (1980), Itinerário de Lutas do PC do Brasil (1980), História da Ação Popular – da JUC ao PCdoB (1984) – em parceria com Aldo Arantes –, Sem Meias Palavras (2002) e Petróleo no Brasil – A Situação, o Modelo e a Política Atual (2008).