Por Ney Bassuino Dutra

Por Ney Bassuino Dutra, economista, no Monitor Mercantil

A agiotagem financeira oficializada no Brasil, programada sob a égide do Banco Central, é descomunal, a maior do mundo. É alimentada pelo mecanismo de indexação de juros instituído em 1964, composto das legendas: correção monetária (juros indexados), TR, TJLP, TBF, CDB, CDI, over, spread, Selic etc. Se não for extinto esse nefasto mecanismo de indexação de juros, a avareza desbragada que infelicita este país se propagará indefinidamente.

A Constituição de 1988 pretendeu corrigir a anomalia existente estipulando juros máximos, para qualquer modalidade, de 12% ao ano, como era antes de 1964. Mas forças alienígenas poderosas atuando nos bastidores ameaçaram “virar a mesa” no caso de mexida no mecanismo de indexação de juros. Em verdade, o mecanismo de indexação dos juros continua atuando plenamente porque, no Brasil, não existe um órgão de defesa econômica (segurança nacional) capaz de impedir que o povo brasileiro, martirizado e empobrecido, seja mantido em cativeiro econômico imposto de fora para dentro.

Veja-se, exemplo: o juro do cheque especial, no dia 6 de fevereiro último, bateu 10% ao mês. Uma brutalidade! O Monitor Mercantil de 17/2/2009 publicou declarações do ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Neto, questionando que “não há nenhuma razão para a taxa real dos juros fique acima de 3% ao ano”. Em 21/1/2009, o Banco Central (Copon) reduziu o juro da Selic de 13,75% para 12,75%. Uma bagatela! A resposta da Fiesp foi categórica: o presidente Paulo Skaf deixou claro que a redução de um ponto percentual na taxa básica de juros da Selic “não atendia aos interesses do país neste momento de crise mundial” (Monitor Mercantil de 22/2/2009).

Em livro lançado recentemente, o professor José Carlos de Assis consigna: “A política de metas de inflação estabelecida por Henrique Meirelles é um dos maiores monumentos à estupidez econômica jamais construído pelo gênio humano”. Já foram aplicados no Brasil vários planos de estabilidade, desde que terminou o regime ditatorial (planos Cruzado, Bresser, Collor etc.). Todos fracassaram irremediavelmente. Por que isso tem acontecido? Porque eram “planos” que não atingiam o cerne do problema econômico brasileiro.

Sem eliminar, de antemão, por completo, o mecanismo de indexação dos juros imposto à economia brasileira em 1964, o Brasil não conseguirá desenvolvimento econômico compatível com o crescimento da população. Teremos, sempre, alto índice de desemprego e pobreza. A Teoria dos Juros constitui um dos capítulos mais complexos do ensino acadêmico da Economia Política, porque as variações nas taxas de juros provocam as flutuações na conjuntura econômica (ciclos), influenciando a escala de investimentos, que por sua vez, ocasiona recessão e maior ou menor contingente de empregos ou desempregos.

Além disso, os juros do financiamento à produção incidem sobre os custos das mercadorias, elevando os preços. Essa elevação de preços ocasionada pelos juros, o BC não considera inflação. Importante assinalar que o juro desvaloriza a moeda no tempo. “Na primeira aula de matemática financeira aprende-se que, existindo uma taxa de juros diferente de zero, um real hoje não é igual a um real daqui a um mês ou a um ano. Se, por exemplo, a taxa de juros for de 100% ao ano, um real hoje representa o valor atual de dois reais em um ano, e vice-versa” (A Antieconomia e a Crise Brasileira, do prof. Sergio Valladares Fonseca). Não é demais registrar, ainda, que todas as religiões do mundo repudiam a agiotagem.

Antes de 1964 havia no Brasil crédito diferenciado e juro máximo de 12% ao ano. A agricultura levantava empréstimo no Banco do Brasil a 3,5% e 4% ao ano; a indústria, a 5% e 6% ao ano; o comércio e o transporte, a 6% e 7% ao ano. Na Rua do Ouvidor, Rio, a polícia volta e meia corria procurando prender dois tipos contraventores: um, que vendia “rabinho de coelho” para dar sorte; outro, agiota que emprestava dinheiro a juros aos funcionários públicos a 14% ao ano. Repito: 14% ao ano.

Hoje, respeitáveis organizações bancárias emprestam a 500% e 600% ao ano, amparadas pelo Banco Central, criado para ser “o guardião da moeda nacional”. Outrora, o Banco do Brasil, na condição de supridor de dinheiro, controlava os juros e o dinheiro emprestado, dentro do estabelecido pela Lei da Usura vigente, à produção, ao consumo e ao financiamento da casa própria, com juros compatíveis com a dignidade humana.

Certa vez correu a notícia de que o presidente da França teria dito que “o Brasil não era um país sério”. Depois, foi ventilado um desmentido pouco convincente de que o presidente francês não dissera aquilo. Muito bem. Dito ou não dito: o Brasil é um país sério? Um país sério pode permanecer, por décadas, atolado numa agiotagem repelente? Num país sério, o Banco Central afronta a sociedade obrigando, de norte a sul do país, a conviver uma taxa de usura nefasta e anticristã?

O presidente Lula detém o poder constitucional outorgado pelo povo brasileiro em duas memoráveis eleições. De direito, tem constitucionalmente o dever de implantar a política econômica que prometeu realizar, como candidato. Entretanto, o que se observa é o presidente parecendo impossibilitado de agir, refém de alguma coisa.

No “grito”, Henrique Meirelles, à frente do Banco Central, vem dirigindo virtualmente a política econômica nacional. De fato, o Banco Central sob as ordens de Meirelles controla com exclusividade: a Casa da Moeda (emissão de dinheiro); a entrada e saída de capitais; o câmbio; o juro; o balanço de pagamento das contas externas, entre outras atribuições. Incrível!

O Banco Central, por alvitre próprio, se elegeu independente do Poder Executivo, ou seja do Governo Federal. A realidade mostra o Banco Central exibindo maior poder de mando sobre a economia do que o governo constituído.

O que realmente torna a situação sinistra é que não existe nenhum dispositivo legal ou constitucional concedendo qualquer tipo de independência ao Banco Central e nem maior poder de decisão do que a Presidência da República. Em se mantendo o Banco Central independente do Poder Executivo, a quem está subordinado? Essa situação esdrúxula configura plenamente uma inconcebível ausência de Soberania Econômica da Pátria.

De vez em quando o presidente Lula deixa escapar um hiato de inconformismo. Na solenidade de inauguração das novas instalações da TV Record, em São Paulo, o presidente Lula concluiu seu discurso recordando um lamento profundo da alma patriota dos brasileiros: “Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós”. Amém.