A novidade é o emprego da nanotecnologia, ciência que surgiu há duas décadas com a promessa de se tornar uma revolução ao manipular átomos e moléculas em uma microescala (1 bilhão de vezes menor que o metro) com microscópios especiais.

O engenheiro agrônomo Humberto Brandão coordena há três anos esta pesquisa. Foi criada uma nanopartícula que, injetada na glândula mamária do animal por meio de uma seringa, é capaz de liberar gradualmente por quatro ou cinco dias o antibiótico que liquida a bactéria S.aureus, principal causadora da mastite, mesmo nas células. No tratamento convencional, o medicamento não consegue atingir a bactéria acomodada no interior das células, eliminando só as que vivem do lado de fora. “Aparentemente, o animal parece sadio, mas na verdade não está”, explica Brandão. A doença pode levar a fêmea a perder a glândula mamária ou até à morte.

Segundo o pesquisador, a tecnologia criada em parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto (MG) e com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), foi testada em 130 fêmeas de alta produção, da raça holandesa, e não foi constatada a presença de resíduos de antibióticos durante exames toxicológicos. Ele acredita que o tratamento da mastite por meio da nanotecnologia poderá chegar ao mercado em 2015 – tempo necessário para a transferência da tecnologia e sua produção em larga escala -, com custo de R$ 6 a R$ 20 para o produtor, equivalente aos preços das aplicações tradicionais de antibióticos, que formam um mercado de US$ 1 milhão por ano. De acordo com Brandão, a aplicação da nanopartícula tem tudo para ser “uma prática rotineira”.

Desde 2009, o pesquisador também está à frente de outra versão desta pesquisa, em parceria com as Universidades Federais de Ouro Preto, de Lavras e de Juiz de Fora, todas em Minas, para tratar a mastite na pecuária orgânica. Nesse caso, sai o antibiótico, proibido no sistema orgânico de criação, e entra a nanopartícula com própolis verde, substância produzida pelas abelhas e capaz de tratar processos infecciosos. “É um antibiótico natural”. A própolis não é diluída em álcool, o que causa irritação em alguns animais, e também é liberada gradualmente para atingir a bactéria. A pesquisa está em fase laboratorial, mas já interessa países como China e Japão, grandes consumidores de própolis. Humberto Brandão explica que essas nanopartículas com própolis têm condições de serem usadas para tratar infecções em seres humanos.

As duas pesquisas da Embrapa Gado de Leite fazem parte da Rede de Pesquisa em Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio, formada em 2006. A rede reúne 17 unidades da Embrapa e 35 universidades federais e estaduais e contou com R$ 3,5 milhões. Segundo Cauê Ribeiro, coordenador da rede, montante semelhante já foi captado por meio de parcerias com o setor privado. Por essa razão, a Embrapa é considerada a maior investidora nessa área no país à frente de multinacionais como Bunge e Basf.

De 2006 para cá, a Embrapa entrou com nove pedidos de patentes de tecnologias. As pesquisas da estatal estão baseadas em diferentes frentes, como a criação de sensores para avaliar a qualidade da água e dos alimentos, filmes biodegradáveis para embalagens e liberação controlada de herbicidas. Ribeiro relembra a criação da língua eletrônica, de maior repercussão no mercado e formado por sensores capazes de diagnosticar a palatabilidade do leite de soja, cujo sabor não é um sucesso unânime entre consumidores.

Segundo a consultoria americana Global Industry Analysts (GIA), o mercado total da nanotecnologia poderá alcançar US$ 1 trilhão até 2015. Sua maior relevância está nos cosméticos, embora beneficie em cheio a agricultura mesmo que não se saiba a participação do setor. Um dos maiores entusiastas da tecnologia no campo é o agrônomo Richard Dulley, pesquisador aposentado do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Secretaria de Agricultura de São Paulo. Ele se refere à agricultura de precisão por meio de nanosensores “como uma rede distribuída pelo campo, com condições de fornecer informações sobre condições de solo, umidade, fertilidade, dispensando a presença física do agricultor”.

Desde 2004, Dulley faz parte da Rede de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente (Renanosoma), um fórum independente com informações voltadas ao público não especializado “A nanotecnologia é um tsunami tecnológico no campo”, avalia. Para o pesquisador, os impactos podem ser muito mais fortes que a própria “Revolução Verde”, que nos anos 50 pregou o uso de insumos como fertilizantes e defensivos nas plantações como forma de ampliar as produtividades e a oferta de alimentos.

Mas há quem mantenha uma posição mais cética sobre o real benefício destes avanços. Na avaliação de Peter Schulz, do Instituto de Física da Unicamp, “a nanotecnologia é vendida como a grande novidade que vai solucionar todos os problemas”, mas pode não ser tão simples assim. Para o físico, pouco se fala na toxicidade dos materiais, especialmente os da área da saúde humana, com a fabricação de medicamentos que utilizam nanopartículas à base de óxidos de titânio e de zinco.

“Elas são facilmente absorvidas pela pele sem que se conheçam ainda as consequências do uso prolongado do produto”, pondera. Segundo Schulz, são escassas as informações de quantas aplicações nanotecnológicas passaram a ser reguladas de alguma forma. O dado mais recente é de 2009, que apontou para a existência de pouco mais de mil produtos de consumo fabricados com algum nanomaterial. Em 2006, eles somavam 200, conforme cálculo do Projeto sobre Nanotecnologias Emergentes, iniciativa americana do Woodrow Wilson International Center for Scholars.

Cauê Ribeiro, coordenador da rede da Embrapa, prefere manter a parcimônia sobre as revoluções que a nanotecnologia pode proporcionar. “Acredito que sua contribuição no campo se dá por meio da criação de insumos agropecuários e da incorporação destas tecnologias no dia a dia, como já vem acontecendo”, analisa.

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Fonte: Valor