A abertura de arquivos da ditadura é antiga reivindicação de historiadores e vítimas da repressão política. Não por acaso, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, preocupou-se em organizar uma pomposa cerimônia para anunciar que, a partir da segunda-feira 1º, todas as fichas do extinto Dops, uma das centrais de tortura do regime militar, estariam disponíveis para consulta na internet. A festa não saiu, porém, como o esperado. Ao lado do governador estava um ilustre convidado: seu novo secretário particular, o advogado Ricardo Salles, crítico ferrenho da Comissão da Verdade e defensor do golpe de 1964.

Fundador do Movimento Endireita Brasil, Salles -manifestou–se- em diversas ocasiões contra a possibilidade de punir os militares envolvidos nos casos de tortura, sequestro e morte, além de questionar a própria existência desses crimes, fartamente documentos. É desses cidadãos que gostam de se referir ao golpe como “o movimento de 31 de março”.

Durante sua fracassada tentativa de se eleger deputado estadual pelo DEM, em 2010, criticava “a farra dos anistiados políticos” em seu material de campanha. No Facebook, seu movimento se refere à presidenta Dilma Rousseff como “terrorista”. A Comissão da Verdade, em sua peculiar visão de mundo, é apresentada como “Comissão da Vingança”.

No ano passado, durante uma palestra no Clube Militar, Salles defendeu abertamente a impunidade dos algozes da ditadura. “A punibilidade penal dos fatos, a partir de uma certa idade, não existe mais. Não vamos ver generais e coronéis acima dos 80 anos presos por crimes de 1964. Se é que eles ocorreram.”

Ao tomar conhecimento das declarações do assessor de Alckmin, o escritor Marcelo Rubens Paiva exigiu um pedido de retratação do governo. “Sim, esses crimes ocorreram”, escreveu em seu blog. “Sou testemunha viva. Eu e minhas irmãs. Vimos meu pai, minha mãe e irmã Eliana serem levados”. O escritor é filho do deputado Rubens Paiva, morto sob tortura em 1971.

As declarações de Salles geraram desconforto até mesmo entre tucanos de alta plumagem. O senador Aloysio Nunes Ferreira, que lutou na clandestinidade contra a ditadura, recriminou a fala do assessor: “Discordo quando se tenta negar a existência de violações aos direitos humanos”. Para o ex-governador Alberto Goldman, trata-se de uma deficiência educacional. “No mínimo, ele desconhece a história brasileira”, disse o tucano, que militou no PCB durante a ditadura.

Alckmin preferiu não rebater as críticas. E o assessor continua lá, na antessala do governador.

Publicado na Carta Capital