Neste quesito, a obra Pensamento Nacional-Desenvolvimentista, organizado por Nilson Araújo e Rosanita Campos, ora lançado pela Fundação Maurício Grabois e pela Editora Anita Garibaldi, com o selo da Cátedra Cláudio Campos, chega em boa hora e revela os cumes desta vertente do desenvolvimento. Com prefácio de Renato Rabelo, presidente da Fundação Grabois, e apresentação do organizador, a coletânea contém 31 textos, entre discursos, artigos, aulas, entrevista, documentos, mensagens de 16 autores que tratam do nacional-desenvolvimentismo desde meses após a chegada de Vargas ao Rio de Janeiro (1931) até às vésperas do mais recente grande confronto político brasileiro: as eleições de 2018.

Durante a Primeira República (1889-1930), acirrou-se o embate entre projetos conservadores, retrógrados e os que ensaiavam caminhos para a modernização do Brasil. Com o fim deste primeiro período republicano – após o movimento liderado por Getúlio Vargas em 1930 – as arenas política, econômica e cultural do país acolheram um espírito estratégico de construção da nação através de um projeto soberano de inserção do Brasil no século XX.  Esse projeto de elevação do Brasil de um “fazendão” para um país estruturalmente forte e que viesse a cumprir um papel relevante em âmbito global, com bem-estar e participação do povo, recebeu o nome genérico de nacional-desenvolvimentismo.

O livro está dividido em quatro grandes partes que elencam seus textos por critérios temáticos. Sua primeira parte é composta por textos oriundos de autores que têm relações diretas ou indiretas com o Instituto Superior de Estudos Brasileiros — ISEB: Oficina do pensamento nacional-desenvolvimentista. Nela se encontram os textos O problema do negro na sociologia brasileira (1954) e Sociologia enlatada e sociologia dinâmica (1953), de Alberto Guerreiro Ramos, onde são tratadas, de forma original, as questões da cultura nacional e do negro brasileiro.

Logo após, os textos de Álvaro Vieira Pinto A defesa da indústria nacional autêntica (1960) e Ideologia e desenvolvimento nacional (1956) mostram o gigantismo do autor para tratar tanto das características que a industrialização no país precisa ter para ser considerada uma alavanca para o desenvolvimento, como a necessidade da ideia de desenvolvimento ganhar as massas para ter êxito. Anízio Teixeira comparece com o A nova Lei de Diretrizes e Bases: um anacronismo educacional? (1960), para enfatizar que a educação é responsabilidade pública e só assim se desenvolve uma sociedade democrática.

O depoimento A derrota dos entreguistas na luta pela criação da Petrobrás, de Euzébio Rocha, concedido em 1987 para o CPDOC da FGV, traz os bastidores de alguns capítulos da luta pela soberania brasileira, sobretudo da saga que foi a nacionalização do petróleo. Já a questão regional se apresenta com O caminho para o Nordestes e para o Brasil (1965), de Miguel Arraes. Nele, o governador cassado apresenta o Nordeste como uma realidade – com problemas e potencialidades – e não uma abstração como era comum entre políticos e intelectuais.

De Nelson Werneck Sodré são apresentados dois primorosos textos. O primeiro é a aula inaugural do curso regular do ISEB no ano de 1959, Raízes históricas do nacionalismo brasileiro. Nele o general nacionalista e marxista recompõe os traços que constituem a ideia de nação brasileira nucleados na luta contra o colonialismo e afirma a necessidade de “harmonizar forças interessadas no desenvolvimento nacional” “para o Brasil superar o que nele existe de colonial”. O segundo texto de Sodré são as conclusões do livro Brasil: radiografia de um modelo (1974). Ali o autor deslinda as tendências antipatrióticas do regime adotado a partir de abril de 1964. 

O texto Roberto Simonsen: a indústria e o desenvolvimento do Brasil, contém parecer de Simonsen apresentado ao Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial (CNPIC), em 16 de agosto de 1944, com comentário de Carlos Lopes. Nele é exposta parte da controvérsia entre Simonsen e Eugênio Gudin sobre os caminhos do desenvolvimento brasileiro.

A segunda parte do livro versa sobre Getúlio Vargas: símbolo da emancipação nacional e dos direitos dos trabalhadores – conta com oito mensagens, pronunciamentos e discursos de Getúlio, mais a sua Carta-testamento. Os textos estão distribuídos em toda Era Vargas e tratam de variados temas. As riquezas naturais do Brasil e a industrialização (1931), traz preocupações que Vargas tinha já quando governador do Rio Grande do Sul, sobre a relação entre indústria e desenvolvimento. E em Industrialização e petróleo (1940) o discurso de Vargas mostra como é incorreta a tese em voga do “agrarismo como fatalidade geográfica” e que os êxitos da vida econômica do país passam pela indústria e o petróleo.

Seu último discurso como parlamentar, antes de voltar à presidência, Escritos e pronunciamentos no Senado (1947), é um verdadeiro programa político de cunho nacionalista e com ênfase no desenvolvimento econômico e salvaguarda da soberania. Já com sua volta à presidência, agora por meio do voto popular, os textos escolhidos para a coletânea apontam grande preocupação de Vargas com o petróleo e a soberania, como é possível ver em Enfrentamento da espoliação do Brasil pelas remessas de lucros (1951), No petróleo, o controle nacional é imprescindível (1951), Ser nacionalista é ser a favor da Nação (1952) e A emancipação nacional (1954).

Com a ofensiva golpista da UDN e de setores antinacionais e estrangeiros, a questão democrática ganhou novo vulto. E em pleno ano de 1954, seu discurso de 1º de maio Hoje estais com o governo, amanhã sereis governo, está nucleado no problema das urnas. Para Vargas o direito do voto tem importância inviolável. Deixa nas entrelinhas que seu governo é oposição às “influências ocultas que movem os grandes interesses” e é afirmação de que nada “poderá deter” o povo. Depois de apresentar um balanço de seu governo, diz que será do povo, num futuro próximo, a condução do Brasil – como inscrito na frase título do discurso.

Ao final desta parte, o documento que entra para a antologia da história republicana brasileira: sua Carta-testamento (1954). O intuito da carta é a despedida imediata e consciente. Mas além de falar de seus feitos, dificuldades e de sua relação como povo, Getúlio alerta e denuncia os que foram contra a “revisão do salário mínimo”, o ódio à nação e ao povo; a “pressão constante, incessante” contra as benfeitorias, direitos trabalhistas, Petrobrás, Eletrobrás etc. Sai da vida e entra na História.

A terceira parte do livro segue cronologicamente o trajeto do pensamento nacional-desenvolvimentista brasileiro e tem como âncora João Goulart e as Reformas de Base. O conjunto de três textos se divide em dois discursos e uma mensagem. O discurso da Criação da Eletrobrás (1962) coroa uma luta de mais de uma década de tramitação nas Casas Legislativas, Judiciário e Executivo, sofrendo toda ordem de golpes por parte da imprensa atrelada aos interesses internacionais e outros entes antipatrióticos.

No Discurso na Central do Brasil, de 13 de março de 1964, Jango usou um tom firme e enfatizou a questão democrática. Mencionou o “terror ideológico e a sabotagem” patrocinada por aqueles que defendiam uma “democracia” da ação antipopular, “dos monopólios nacionais e internacionais”. A marcha para o golpe estava nas ruas e a reação do governo foi apresentar as suas principais pautas num gigantesco comício organizado pelas principais entidades do movimento social. Dias após o discurso da Central, foi levada ao Congresso uma mensagem, intitulada Caminho brasileiro: as Reformas de Base. Neste texto, já temperado com o calor popular do grande comício, Jango expõe de forma irretocável os problemas do país e, como solução, as reformas. Uma a uma, e todas como um só corpo programático, selam uma proposta de avanço civilizacional para o Brasil.

A quarta parte do livro é intitulada Recuperando o nacional-desenvolvimentismo para a Revolução Brasileira e se dedica ao momento atual do pensamento nacional-desenvolvimentista. Abre com dois textos de Cláudio Campos: o informe Unir a Nação e romper com a dependência (1982) e Programa de Emancipação do Brasil (1995). Ambos mostram que tanto nos estertores da ditadura militar, como no início da era FHC padecia-se do mesmo problema: o rebaixamento da questão nacional e a elevação dos perigos para a soberania.

O excepcional Informe especial sobre a desnacionalização (2001), de Haroldo Lima, para o 10º Congresso do PCdoB, faz um histórico e diagnóstico das empresas estatais brasileiras nas bancas do mercado financeiro internacional. Mostra como se especulou com o patrimônio nacional usando o discurso falacioso de modernização neoliberal. No Novo projeto nacional, caminho brasileiro para o socialismo (Programa do Partido Comunista do Brasil, aprovado em seu 12º Congresso de 2009), cria-se um lema: O socialismo é o rumo, a construção da nação o caminho. Um programa viável e arrojado para o país que visa a “remoção de obstáculos acumulados” através de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.

Dentre as principais personalidades do pensamento nacional-desenvolvimentista, a coletânea destaca, em dois textos, dois homens que pensaram o desenvolvimento a partir de suas experiências na máquina estatal. O primeiro é Celso Furtado: criatividade e dependência na periferia, de Rubens R. Sawaya que, em resenha ao livro Criatividade e dependência da civilização industrial, mostra como Furtado entende o papel do Estado no desenvolvimento econômico. E o outro intelectual que é abordado está no excelente artigo O pensamento de Rômulo de Almeida: o intelectual orgânico do Estado e o Brasil desenvolvimentista, de Alexandre de Freitas Barbosa, professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Em que a partir de um completo panorama da vida intelectual, burocrática e política, o autor mostra o amadurecimento dos três substantivos caros a Rômulo: reflexão, planejamento e execução.

O ideário do tema que perpassa por todo o livro é destrinchado por Nilson Araújo no notável capítulo O Nacional-desenvolvimento e a industrialização (2007). O autor traça um panorama do período de maior crescimento econômico do país relacionando-o à industrialização característica do período. A mesma preocupação com a soberania e as transformações mais necessárias no Brasil de 2015 se apresenta no texto de Sérgio Rubens de Araújo Torres, Construir uma alternativa comprometida com o interesse nacional (2015). Num momento de aprofundamento de crise, o então presidente do Partido Pátria Livre (PPL) fez esse informe no terceiro congresso da sigla.

O texto que aborda o período mais recente desta miríade do pensamento nacional brasileiro é João Goulart e a atualidade das Reformas de Base (2018), de Nilson Araújo. Às vésperas da eleição que levou a materialização do que há de mais atrasado à condução do país, as reflexões do autor se voltaram a João Goulart e seu programa de reformas para trazer à tona as soluções mais urgentes naquele momento.

O conjunto da coletânea – a própria trajetória do pensamento nacional-desenvolvimentista brasileiro – compõe um dos principais pilares da construção de um projeto de desenvolvimento. A obra, organizada por Nilson Araújo e Rosanita Campos, se apresenta como necessária, pois é composta de elaborações teóricas e aplicações de políticas que fizeram da Nação e povo brasileiros maiores. É o pensamento do nacionalismo avançado em que a democracia, a soberania e o bem estar do povo brasileiro – os três elementos imbricados – compõem o nacional-desenvolvimentismo.

Pensamento Nacional-Desenvolvimentista, Nilson Araújo e Rosanita Campos (Orgs.) 

– Fundação Maurício Grabois, Cátedra Cláudio Campos/ Editora Anita Garibaldi
616 páginas. 2021.

*Esta resenha foi publicada originalmente na revista Princípios Ano 40 n° 161 mar-jun/2021 p. 340-344

**Fernando Garcia de Faria é historiador, mestrando em História Econômica na USP, coordenador do Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois, membro do Conselho Editorial da editora Anita Garibaldi e do Conselho Consultivo da revista Princípios.