Há cerca de vinte anos atrás, aproveitando-se do clima criado pelo assassinato de um dirigente do Sindicato dos Condutores do ABC paulista, a grande imprensa e os grupos conservadores no Congresso buscaram criar uma CPI da CUT. O grande crime cometido pelos sindicalistas da região teria sido um suposto financiamento das campanhas eleitorais de partidos e coligações de esquerda. Sem dúvida esta foi uma maneira torpe de enfraquecer a esquerda que vinha obtendo importantes vitórias eleitorais e já ameaçava chegar à presidência da República. Mas isso, pelo menos, teve um lado positivo, pois suscitou no Brasil o debate sobre qual a relação que deve existir entre os sindicatos e os partidos políticos.

Uma pergunta aparece desde logo: deve um sindicato apoiar este ou aquele partido político, esta ou aquela coligação partidária, em particular num período de disputa eleitoral? A resposta é mais complexa do que pode parecer à primeira vista. Seria um erro encarar a relação partido/sindicato de maneira a-histórica, através de modelos ideais, desconsiderando as particularidades de cada país e não tendo em conta a correlação de forças existente em cada conjuntura. O esquematismo neste campo, como em qualquer outro, não nos poderia oferecer respostas satisfatórias. Para contribuir neste debate, expomos a seguir como este problema se colocou para o movimento operário em cada país e em cada período histórico.

O caso Inglês

Um dos aspectos mais característicos do sindicalismo europeu, ao contrário do norte-americano e do brasileiro, é a vinculação mais ou menos estreita (inclusive orgânica) entre sindicatos e partidos políticos, especialmente os socialistas e trabalhistas. Em alguns casos, o partido foi criação do movimento sindical (Inglaterra). Em outros, os sindicatos foram criação do partido socialista (Alemanha). A gênese, em grande medida, determinaria a especificidade da relação partido/sindicato nesses países.

O processo de formação dos sindicatos na Inglaterra é muito antigo, remonta ao século XVIII, embora a primeira legislação que autorizava o seu funcionamento legal só tenha sido promulgada em 1824. O mesmo não se pode dizer a respeito dos partidos operários. Depois de um período de intensa atividade política dos operários ingleses, seguiu-se – principalmente após a derrota dos cartistas em 1848 – um período de refluxo e desmoralização no qual ganhou corpo uma visão estreita de sindicalismo, economicista e despolitizada.

No seu tempo, Marx e Engels travaram uma luta acirrada contra tais concepções atrasadas que dificultavam a independência de classe dos operários e a sua emancipação social. Ambos concentraram suas críticas no limite estrutural da ação sindical pura e simples e no descaso dos seus líderes para com a luta política e a construção de um partido operário independente. Vejamos o que diz Marx: “Ao reclamar um aumento de salário, o operário está exigindo apenas o valor acrescentado do seu trabalho. Como um vendedor de qualquer mercadoria”.(1) Ou como afirma em outra passagem sobre as greves econômicas: “seus esforços para elevar os salários não passam de tentativas para manter o valor atribuído ao trabalho (…). A necessidade de discutir o seu preço com o capitalista está ligada à condição que o obriga a vender-se como uma mercadoria”.(2).

Por fim, Marx dizia que em relação aos operários “não devemos superestimar o resultado final dessa luta cotidiana. Não podemos esquecer que lutam contra os efeitos e não contra as causas (…), que aplicam paliativos, mas não curam a doença”.(3). Ao colocar a sua ação no campo exclusivo da luta econômica/sindical estes líderes, mesmo os mais combativos, se transformavam em meros “mercadores” da força de trabalho dos operários e não lutadores consequentes pela sua emancipação político-social, que passa justamente pelo fim da mercantilização (e exploração) dessa força de trabalho.

“A classe operária inglesa”, afirmava Marx, “tem se tornado, pouco a pouco, mais e mais desmoralizada pelo período de corrupção vivido desde 1848 e tem chegado ao ponto de não ser nada mais do que a cauda do grande Partido Liberal, isto é dos seus opressores capitalistas”.(4). Além da derrota cartista, outro motivo que levava à despolitização do movimento operário inglês era a expansão do domínio britânico sobre o mercado mundial. Esta seria para Engels “a base econômica da insignificância política dos trabalhadores ingleses. Arrastando-se atrás da burguesia e participando sempre das vantagens da exploração econômica deste monopólio, os proletários, como é natural, seguem politicamente o grande Partido Liberal”.(5). Segundo ele, a situação tenderia a se modificar quando “os proletários sentirem que o monopólio mundial inglês está fracassando”.

As previsões de Engels, em parte, foram concretizadas. A crise que atingiu a Inglaterra entre 1884 e 1886 ampliou a discussão sobre a necessidade de uma organização política independente dos trabalhadores. Em 1893, o Congresso anual do TUC (Trade Union Congress — a central sindical inglesa) conclama os sindicatos a apoiarem candidatos comprometidos com os interesses dos operários. No mesmo ano foi fundado, por iniciativa do mineiro escocês Keir Hardie, o Independent Labour Party (Partido Trabalhista Independente).

Em 1899 outro congresso do TUC tomou a iniciativa de convocar uma conferência, da qual o principal objetivo era criar um Comitê Pela Representação do Trabalho. Nesta conferência foi eleita uma coordenação que teria por função gerir um fundo comum para sustentação das campanhas eleitorais. Seis anos depois de sua fundação, o comitê teve uma importante vitória elegendo 29 parlamentares, que passaram a formar uma bancada trabalhista no parlamento. Constituía-se assim o Labour Party (Partido Trabalhista), que não era propriamente um partido socialista, embora convivessem no seu interior diversos grupos socialistas. O fato de o Labour ser criação do próprio movimento sindical levou a que se consolidasse dentro dele uma política com um forte viés econômico-corporativo.

Durante longos anos, a adesão individual ao partido foi proibida ou bastante restringida. A filiação era coletiva e automática, feita através do próprio sindicato. O número de votos nos congressos do partido se fazia por delegações, segundo a quantidade de membros filiados em cada sindicato ou cooperativa. Os grandes sindicatos mantinham o controle sobre o partido.

A primeira grande luta travada pela TUC e o Labour foi justamente em defesa da liberdade sindical. Em 1908, um sindicalista chamado W. V. Osborne entrou com uma ação contra a “Amalgamated Society of Railway Servants”, visando a impedir que este sindicato financiasse candidatos comprometidos com os seus objetivos. Rapidamente a justiça inglesa acolheu a denúncia e proibiu os sindicatos de contribuírem com qualquer candidatura ou partido.

A TUC e o Labour realizaram uma grande campanha contra a intervenção indevida do Estado na vida sindical, defendendo o direito de dispor livremente das contribuições arrecadadas de seus aderentes. Só aos trabalhadores filiados caberia decidir como seria aplicado este dinheiro. A luta só chegou ao fim em 1913, quando foi aprovado um novo “Trade Union Act”.

Esta lei autorizou os sindicatos a utilizarem os seus fundos da maneira que desejassem, inclusive no financiamento de partidos e campanhas, desde que com autorização da maioria de seus membros. Contudo, a legislação viria a ser novamente alterada após a derrota da greve geral que abalou a Grã-Bretanha em 1926. A partir de então foi restringida a possibilidade de ação política dos sindicatos ingleses e determinado o fim das cotizações automáticas dos sindicalizados ao Labour. O sindicalizado deveria assinar individualmente uma declaração concordando com o desconto ao partido.

A luta contra o “Trade Dispute Act” durou vinte anos. Apenas em 1946, depois da esmagadora vitória eleitoral dos trabalhistas, o movimento sindical conseguiu fazer com que se revogasse esta lei. A maior parte das receitas do Labour voltou a prover das cotizações dos membros dos sindicatos. A maior parte dos dirigentes nacionais e dos parlamentares do partido saía dos quadros sindicais, pelo menos até a década de 1980.

O caso alemão

Na Alemanha, o partido se desenvolveu antes do que os sindicatos e, por isso mesmo, desde o início exerceu grande influência sobre eles. No Congresso de Gotha, que praticamente fundou o Partido Social-Democrata Alemão (PSDA), em 1875, foi estabelecido o parâmetro da relação entre o partido e os sindicatos. Nela caberia ao primeiro o papel dirigente, ao qual o segundo deveria se subordinar.

Esta concepção predominaria, com nuances, no movimento social-democrata europeu por dezenas de anos. Em 1893, no Congresso da II Internacional, o socialista alemão Augusto Bebel afirmou: “Contra um poder tão fortemente organizado como o dos Krupp, o movimento sindical não pode fazer absolutamente nada”. (6). No Congresso seguinte, o socialista francês Jules Guesdes reforçaria tal opinião: “Não é da ação sindical que devemos esperar a tomada de possessões dos meios de produção. É preciso, antes de tudo, tomar o governo que monta guarda ao redor da classe capitalista”.(7).

O rápido crescimento dos sindicatos alemães logo criaria problema nesta relação. Em 1901, eles possuíam cerca de 680 mil filiados; em 1904, este número já havia subido para 1.052 milhões, enquanto o número de aderentes do PSDA mal chegava a 400 mil. O aumento do número de sindicalizados e o aparente desenvolvimento pacífico do capitalismo alemão levaram os sindicatos a montarem grandes estruturas (sedes, gráficas, editoras e clubes) e a acumularem vultuosos fundos financeiros. Isto agravou o burocratismo e criou uma preocupação excessiva em relação a qualquer ato que pudesse pôr em risco tal estrutura.

A Revolução Russa de 1905, que teve na greve política de massas um de seus instrumentos privilegiados, abalaria a calmaria política alemã. O Congresso do PSDA em Jena (1905), refletindo a radicalização política que crescia, aprovou uma resolução aceitando a hipótese de utilização da greve geral política como meio legítimo para garantir e ampliar os espaços democráticos.

A acomodada burocracia sindical, por outro lado, entrou em pânico diante da possibilidade de se reproduzir na Alemanha o que ocorrera na Rússia. “Não somos de nenhum modo partidários das demonstrações de rua”, afirmou o órgão oficial dos sindicatos. O congresso sindical realizado em Colônia aprovou uma moção rejeitando qualquer possibilidade de utilização da greve geral. Para estes sindicalistas, qualquer ação mais ampla e radical das massas operárias levaria a uma desorganização dos sindicatos. Cresceu, entre os líderes sindicais, a ideia de neutralidade e independência dos sindicatos frente ao Partido Social-Democrata. Legien, o principal dirigente sindical alemão, afirmou: “para os sindicatos o que conta não são as resoluções tomadas no Congresso de Jena, mas as tomadas em Colônia”. (8)

Rosa de Luxemburgo seria uma das principais críticas das posições dos sindicalistas. “Os sindicatos”, afirmaria ela, “representam os interesses de grupos particulares (…), a Social Democracia representa a classe operária e os interesses gerais de sua emancipação (…). As ligações dos sindicatos com o Partido Socialista são as da parte em relação ao todo”.(9). Para ela,a teoria da “igualdade de direitos” entre sindicatos e partido socialista “não é um simples mal-entendido, uma simples confusão teórica,mas exprime a tendência bem conhecida da ala oportunista”. (10).

Não havia sido a aparente neutralidade que tinha garantido que os sindicatos pudessem se fortalecer. “Quando o operário alemão, livre para aderir a um sindicato cristão ou mesmo liberal, opta pelo sindicalismo livre (social-democrata) é porque vê neles as organizações da luta de classes moderna”. E, para comprovar sua tese, ela utiliza o fato de que o número de eleitores da social-democracia seria muito superior ao número de sindicalizados, concluindo: “É a Social-Democracia que na Alemanha constitui a escola de recrutamento para os sindicatos”.(11). Algo bastante diferente do que ocorria na Grã-Bretanha.

Adotando o ponto de vista hegemônico na social-democracia até então, Rosa se posicionou contra o fato “monstruoso” de que os congressos do partido e dos sindicatos, discutindo ordens do dia semelhantes, conduziam a resoluções diferentes e mesmo opostas. “Para solucionar esta distorção é preciso subordinar de novo os sindicatos ao partido para o interesse próprio das duas organizações. Não se trata de destruir toda a estrutura sindical no partido, trata-se de estabelecer entre as direções do partido e dos sindicatos, entre os congressos do partido e dos sindicatos, uma relação entre o movimento operário em seu conjunto e o fenômeno particular e parcial chamado sindicato”.(12).

Nos fins de 1905, crescem as manifestações operárias e populares exigindo reformas eleitorais e com elas ganham maior força os debates sobre a relação entre a situação russa e alemã. O próprio Bebel, principal liderança do PSDA, afirmaria no Reichstag: “Em certas condições também os povos da Europa ocidental teriam podido mostrar aos seus patrões o que o povo russo havia mostrado ao seu”. E, dirigindo-se ao governo e às classes dominantes, lançaria um ultimato: “Ou percorrem um outro caminho ou ocorrerá também na Alemanha o que ocorreu na Rússia(…)façam as reformas!”.(13).

Isso soaria nos ouvidos das classes dominantes alemãs como um grito de guerra, um chamado à revolução social. Por isso, o governo reagiu duramente, afirmando que “a Alemanha não era a Rússia e que o governo saberia impor a ordem”. Visando a assustar os trabalhadores, foi divulgado um documento secreto do imperador Guilherme II ao chanceler Von Büllow no qual era autorizado o imediato esmagamento da social-democracia caso ela ousasse ultrapassar os limites da ordem.

A pressão das lideranças sindicais, somada às ameaças da reação, fez com que a direção do partido recuasse. Em fevereiro de 1906, o secretariado do PSDA e a direção dos sindicatos chegaram a um acordo pelo qual o partido se comprometia a: 1º) não deflagrar uma greve política de massas; 2º) caso ela eclodisse espontaneamente, ele poderia até dirigi-la, desde que não responsabilizasse os sindicatos, resguardando-os assim de qualquer medida legal.

O Congresso do PSDA em Mannheim (1906) representaria uma vitória dos sindicalistas. A possibilidade da greve política foi praticamente eliminada como possibilidade efetiva. O partido e os sindicatos passavam a ter a “mesma dignidade”, embora estes últimos devessem ainda se manter no campo da social-democracia. Foi mantida a relação entre os sindicatos e a socialdemocracia, mas não seria mais orgânica e subordinada. Uma coisa é certa: à medida que os sindicatos se faziam mais fortes e mais ricos, tendiam a aumentar a sua influência dentro do partido social-democrata levando-o mais para a direita. 

O caso estadunidense

Outro modelo de relação entre partido e sindicato, que destoa dos anteriores, foi o seguido nos Estados Unidos. Após a derrota da Ordem dos Cavaleiros do Trabalho, no século XIX, desenvolveu-se no movimento sindical uma forte tendência economicista, que apregoava a separação radical entre a ação sindical e a política. Samuel Gompers, fundador e presidente por décadas da American Federation of Labor (AFL), era o principal porta-voz deste chamado “sindicalismo puro e simples”. No seu início, esta central sindical chegou a se posicionar contra toda legislação que procurasse regulamentar as condições e as jornadas de trabalho. Afirmava que o Estado não devia se intrometer na relação entre trabalho e capital. Somente aquilo que podia ser conquistado pela negociação direta entre patrão e empregado deveria ser considerado válido. Uma mostra de como a ideologia liberal tinha raízes profundas no solo americano.

Mas esta posição extremada não pôde se sustentar por muito tempo. As constantes pressões judiciais e a política antissindical de sucessivos governos levaram os sindicatos a darem mais atenção às políticas institucionais. Diferentemente dos sindicalistas europeus, entretanto, sua participação na arena política não se fez de forma independente e classista. Predomina neles a visão lobista – pressionar de fora os governos e parlamentares burgueses.

Por isso, os sindicalistas americanos não procuraram construir um partido operário e socialista (ainda que reformista). Eles se contentaram em dar apoio aos candidatos dos grandes partidos da burguesia (Democrata e Republicano). O lema preferido de Gompers, no campo da política eleitoral, era:“recompensar os amigos e punir os inimigos”.

Em 1908, diante a recusa dos republicanos de adotar um programa pró-sindicato, Gompers e a AFL apóiam o candidato do Partido Democrata, Willian Bryan, para a presidência da República. Derrotados, democratas e sindicalistas voltaram a se reunir para as eleições de 1912, quando venceram os republicanos e elegeram Woodrow Wilson. Doze anos depois, a AFL sustentaria a candidatura alternativa de La-Folette contra republicanos e democratas, pois as duas candidaturas apresentadas eram excessivamente conservadoras e antissindicais.

Se a AFL, em geral, era um pouco recatada e pragmática em matéria de apoio a candidatos e partidos (embora nunca tenha se omitido quando necessário), o Congress of Industrial Organizations (CIO), fundado em 1938, era mais ousado e ideológico. Desde o seu nascimento, esta nova central sindical se posicionou abertamente favorável ao governo Roosevelt e suas políticas. A CIO fundaria em 1943 o Political Action Comitee (PAC), cujos objetivos eram: 1º) sustentar candidatos favoráveis ao progresso social; 2º) dar às massas educação política; 3º) lutar contra o absenteísmo eleitoral, que favorecia a direita. A principal meta, porém, era garantir a reeleição de Roosevelt para o seu quarto mandato consecutivo.

Em 1947, aproveitando-se da onda reacionária que começava a varrer os Estados Unidos, o congresso aprovou a lei Taft-Hartley, que interditava o financiamento direto dos sindicatos para campanhas eleitorais. Como resposta, a AFL decidiu fundar uma associação análoga ao PAC. Em 1948, criou o “Labour’s League for Political Education”, que seria financiada pelos sindicatos filiados à AFL na base de 10 centavos de dólar por sindicalizado. Com a fusão da AFL e CIO, em 1955, criou-se outra entidade, o Comiteeon Political Education (COPE), que continuou a recolher fundos com vistas a sustentar candidatos “amigos”.

A influência dos sindicatos nas eleições, embora exista, é bem mais fraca do que a existente nos países europeus devido à pouca expressão do sindicalismo no conjunto da população, inclusive entre os assalariados. No final da década de 1940, apesar dos esforços, o movimento sindical não conseguiu impedir a eleição de Taft (inimigo número um dos sindicatos) para o Senado, que venceu inclusive em áreas operárias. Em 1952, apoiou Adlei Steveson contra o general Eisenhower e foi derrotado — derrota que se repetiria na eleição seguinte.

No final da década de 1970 e início dos anos 1980, a AFL-CIO jogou toda a sua influência para impedir a eleição de Reagan, apoiando Walter Mondale. Só que foi derrotada e acabou sendo uma das principais vítimas da política neoliberal dos republicanos. Nas eleições de 1993, colocou novamente toda a sua máquina a favor dos democratas, encabeçados por Bill Clinton.

A maior responsabilidade pela baixa influência política dos sindicatos entre as massas assalariadas é a da própria ação pragmática e pró-capitalista adotada pelos sindicalistas americanos. Eles adotam uma política que não permite a construção de uma consciência de classe independente, não possibilitando ao proletariado se constituir em classe autônoma contraposta à burguesia.

Isto só teria sido possível se o sindicalismo americano tivesse optado pela construção de um partido operário com uma ideologia anticapitalista e com uma política cujos objetivos estivessem além dos limites impostos pela sociedade de classes estadunidense. Mas o conhecido pragmatismo sindical americano, que já produziu tantas mazelas, sempre inviabilizou este caminho. 

O caso brasileiro

Até a década de 1920, o problema da relação partido/sindicato se colocava de uma maneira bastante particular no Brasil. Aqui existia um movimento sindical relativamente fraco, embora bastante combativo. A maior influência era anarco-sindicalista, que tinha como um dos seus pontos programáticos a negação da ação política. Era contra a organização da classe operária em partidos, mesmo revolucionários. Com o surgimento e posterior desenvolvimento da corrente comunista, esta situação tenderia a se modificar.

Os comunistas, seguindo a política indicada por Lênin, buscaram construir um sindicalismo unitário e de massas que congregasse todos os trabalhadores — sem distinção partidária ou ideológica. Os sindicatos não deviam estar atrelados organicamente aos partidos, como rezava a antiga tradição da socialdemocracia europeia (que Lênin chegou a defender), mas sim autônomos. O que não significava serem neutros em relação à luta política de classes ou mesmo na luta partidária.

A direção política deveria ser conquistada não através de medidas administrativas (estatutárias), mas sim na luta de ideias dentro da classe operária e das suas organizações. Em 1923, o fundador do PC do Brasil, Astrojildo Pereira, afirmaria, “não é a toa que a Internacional Comunista preconiza a formação, dentro dos sindicatos, de núcleos comunistas. No decorrer da luta, os trabalhadores vão adquirindo consciência de seu papel histórico e das possibilidades de ação e só então estarão em condições de optar entre as diversas correntes políticas”. (15).

Até o início da década de 1930 os sindicatos eram livres em relação ao Estado. A única forma de intervenção estatal era a repressão pura e simples. Não podia se destituir ou substituir os líderes operários eleitos. Mas predominava, apesar da ação dos comunistas, a pluralidade de organizações e os sindicatos ideológicos. As entidades sindicais, portanto, tinham plena liberdade para apoiar este ou aquele agrupamento político, embora os anarco-sindicalistas se recusassem a fazê-lo por questão de princípios.

A Revolução de 1930 abriria uma nova fase no sindicalismo brasileiro. A política do novo governo para os sindicatos baseava-se, de um lado, numa prática de concessões econômicas e sociais aos assalariados;de outro, numa tentativa de incorporar as entidades à estrutura do Estado Burguês. Procurando realizar isso Vargas tentou vincular as concessões de direitos trabalhistas à sindicalização nas entidades oficiais, esvaziando os sindicatos mais combativos (anarquistas e comunistas) e forçando os demais à integração “voluntária”. A partir de 1935, com o esmagamento do levante da Aliança Nacional Libertadora (ANL), a sutileza foi substituída por uma brutal repressão, que praticamente pôs fim a todos os vestígios de um sindicalismo livre no país.

O Decreto-Lei número 19.770, de 1931, editado logo após a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, dava início à construção de um sindicalismo corporativo e de colaboração de classe e com o Estado. Este “novo sindicato” passava a ter como uma de suas principais características o a-politicismo. No primeiro artigo deste decreto constava como condição para o reconhecimento sindical a necessidade da “abstenção no seio das organizações sindicais de toda e qualquer propaganda ideológica sectária, de caráter político, social e religioso”.

Era proibido também ao sindicalista se candidatar a “cargos estranhos à natureza e finalidade da associação”. Na prática, era vedado aos sindicatos o exercício de qualquer atividade política, especialmente as partidárias. O Decreto-Lei 1.402, de 1939, acrescentaria ainda mais um item: “a ineligibilidade para os que professassem ideologias incompatíveis com as instituições e os interesses nacionais”. Era o chamado “atestado ideológico”.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943, unificaria todos os decretos anteriores, seria o apogeu deste processo de construção do sindicalismo de Estado no Brasil. Segundo ela, toda crítica feita a qualquer aspecto, mesmo que secundário, da política do governo poderia ser considerada propaganda de “doutrina incompatível com as instituições e com os interesses da Nação”. Cabia apenas ao governo de plantão julgar quais eram estes interesses. Vale acrescentar que a propaganda favorável ao governo não só era permitida como era amplamente incentivada. Na verdade, durante os governos discricionários, as únicas políticas proibidas eram as classistas e socialistas. Um dos poucos pontos acrescentados pós-1943 foi o da proibição da cessão, gratuita ou remunerada, da sede do sindicato para entidades de cunho político-partidário.

O fim do Estado Novo, em 1945, não revogou os artigos da CLT que restringiam a liberdade sindical e atrelavam o sindicato ao Estado. Por isso, a legislação varguista serviria muito bem aos governos autoritários e ditatoriais que se seguiram. O general Dutra, por exemplo, utilizou-apara intervir em cerca de 400 sindicatos. Os generais-presidentes pós-golpe militar de 1964 não precisaram fazer grandes alterações para utilizá-la nos seus objetivos antidemocráticos e antipopulares. Afinal, ela serviria bem a qualquer governo, menos aos trabalhadores.

A estrutura sindical brasileira, imposta a partir de 1930, contribuiu de forma decisiva para a difusão, junto aos assalariados, de uma concepção (ideologia) que separa de uma maneira estanque ação sindical e ação política. “Sindicato não é lugar de política”, afirmam muitos trabalhadores. Deste ponto de vista, amplamente favorável aos patrões e ao governo, é inconcebível a participação dos sindicatos nos movimentos mais amplos em defesa da democracia, da soberania nacional e do socialismo.

Dentro deste modelo seria injustificável qualquer apoio sindical a um projeto alternativo ou o apoio a candidatos e partidos mesmo que estes tenham relação com o movimento geral dos trabalhadores. Constrói-se uma opinião, mais ou menos homogênea, de que é preciso manter a neutralidade política dos sindicatos.

Lênin, a respeito das teses que defendiam a neutralidade dos sindicatos russos, afirmou: “A falta de cunho político significa indiferença diante da luta dos partidos. Mas esta indiferença não equivale à neutralidade (…), pois na luta de classes não pode haver neutros (…). Por isso a indiferença diante da luta não é abstenção dela ou neutralidade. A independência é o apoio tácito ao mais forte, ao que domina. Quem era indiferente na Rússia diante da autocracia apoiava totalmente a autocracia”. (16).

Talvez o predomínio da concepção de neutralidade política dos sindicatos brasileiros se deva, em parte, às mesmas razões apontadas por Rosa de Luxemburgo ao analisar o sindicalismo alemão do início do século XX. “A neutralidade dos sindicatos alemães é, por seu lado, um produto da legislação reacionária das associações e do caráter policial do Estado prussiano. Da neutralidade política dos sindicatos, estado de fato imposto pela pressão policial, extraiu-se uma teoria de neutralidade voluntária pretensamente baseada na própria natureza da luta sindical”. (17).

A Constituição brasileira de 1988 revogou em grande parte os dispositivos mais restritivos da CLT, entre eles aqueles que permitiam uma intervenção aberta do Estado nos sindicatos. Tornou possível a qualquer sindicato ingressar, e até financiar, movimentos políticos de caráter mais amplo (luta contra a revisão constitucional e o pagamento da dívida externa, pela reforma agrária) ou ceder sua sede para atividades político-partidárias.

Mas a liberdade ainda não é completa. A legislação brasileira (através da lei eleitoral) ainda proíbe os sindicatos de contribuírem financeiramente com candidatos e partidos, mesmo com o consentimento de seus associados. Contraditoriamente, a lei eleitoral do inicio dos anos 1990 passou a permitir que empresas privadas contribuíssem livremente com campanhas eleitorais. Mas, continuou proibindo que candidatos e partidos recebessem “direta ou indiretamente doações em dinheiro ou estimável em dinheiro” das entidades sindicais. A simples utilização de um caminhão de som ou da gráfica de um sindicato poderia custar processos judiciais com impugnações de candidaturas e cassações de mandatos. Com esta legislação, a justiça eleitoral brasileira estabeleceu dois pesos e duas medidas, aumentando o poder do Capital nas eleições e procurando manter amarrados os braços das organizações sindicais. 

Conclusão

Diante do exposto, voltamos à questão inicial. Deve um sindicato ou uma central sindical apoiar este ou aquele projeto político, este ou aquele partido? Para esta questão, como já afirmamos, não existe uma única resposta. Depende de uma série de condições históricas concretas e, em muitos casos, a resposta se subordina às razões de conveniência política de classe — o que não se confunde com oportunismo ou pragmatismo.

Mas existe outra questão que merece urgentemente uma resposta. O sindicalismo deve aceitar que o Estado proíba os sindicatos de apoiarem este ou aquele projeto político, este ou aquele conjunto de partidos, quando os resultados das eleições vão determinar o futuro dos trabalhadores? A resposta para estas questões só pode ser uma: não! Cabe apenas aos trabalhadores a decisão de onde e quando aplicar os seus recursos. O Estado burguês não pode restringir tal utilização. Este é um debate no qual o movimento sindical deveria ter se envolvido nem 1994, ano de eleição presidencial que estarão novamente em jogo dois projetos para o Brasil: o neoliberal e o democrático-popular. 

* Este texto é uma versão modificada do artigo publicado na revista Debate Sindical, nº17, setembro/novembro de 1994.

** Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e revolução brasileira: encontros e desencontros; Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas; e Linhas Vermelhas: marxismo e dilemas da revolução. Todos publicados pela Fundação Maurício Grabois e Editora Anita Garibaldi.

 

NOTAS

(1) MARX, Karl. Sindicalismo. São Paulo: Ched, 1979.

(2) IDEM, p. 84.

(3) IDEM, p. 85.

(4) LOSOVSKI, A. Marx e os sindicatos. São Paulo: Assunção.

(5) IDEM, p. 64.

(6) LEFRANC, George. Sindicalismo no mundo. Lisboa: Publicações Europa-América.

(7) ANDERSON, Perry; PIZZORNO, A. Economia y politica en la accion sindical. Cordoba: Cadernos Pasado y Presente, 1973.

(8) HOBSBAWM, E. História do Marxismo. Volume 3. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

 (9) LUXEMBURGO, Rosa. Greve de massas, partido e sindicato. Coimbra: Centelha, 1974.

(10) IDEM, p. 101-102.

(11) IDEM, p. 109.

(12) IDEM, p. 109.

(13) HOBSBAWM, E. História do Marxismo. Volume 3. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

(14) KIRKLAND, Lane. Os agentes positivos da mudança. In:Texto para Debate (Internacional), n. 3, CUT/CFDT, maio de 1994.

(15) PEREIRA, Astrojildo. Construindo o PCB.

(16) LÊNIN, Vladimir. Sobre os sindicatos. São Paulo: Livramento, 1979.

(17) LUXEMBURGO, Rosa. Greve de massas, partido e sindicato. Coimbra: Centelha, 1974.

 

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