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Castro Alves, o patrono da União da Juventude Socialista (UJS)

Para nós o vento da esperança

traz o pólen do porvir

(Castro Alves - O Século)

Ler a obra de Castro Alves não é um caminho fácil para nós do século 21. Analogias com a mitologia antiga, palavras que não usamos mais, construção invertida das frases são características da poesia romântica daquela época. Mas vale a pena o esforço para conhecer a contribuição do jovem poeta às lutas do povo brasileiro.

Nascido, em 14 de março de 1847, na Fazenda Cabaceiras na então freguesia de Muritiba, perto de Curralinho (BA), filho do Dr. Antonio José Alves e Clélia Brasília da Silva Castro (o segundo nome – Brasília – foi uma homenagem à pátria recém-libertada).

Antonio Frederico de Castro Alves, chamado pela família por Cecéu, se tornou um dos maiores poetas brasileiros; Poeta da Abolição, Poeta dos Escravos são seus codinomes merecidos por vasta obra em defesa da abolição da escravatura no Brasil. Um importante escritor baiano, Edison Carneiro, afirmou que ele foi “na mais absoluta precisão do termo, o precursor da República”. Já Gilberto Amado afirma que ele “foi o mais belo instante do Brasil”.

Os pais, Clélia Brasília e Dr. Antonio José Alves, influenciaram sobremaneira a vida e a obra de Castro Alves

 

Epopeias, heróis e bandidos à mesa de jantar

A história de Castro Alves começa antes mesmo de seu nascimento. Sua família influenciou de forma determinante em suas poesias e o seu pensamento revolucionário – marcas da nascente burguesia nacionalista ascendente naquele período do Império. Seu avô materno, José Antonio da Silva Castro, foi major nas lutas de independência na Bahia subordinado ao general Pedro Labatut – reconhecidamente um dos responsáveis pela expulsão dos últimos portugueses resistentes no ano de 1823.

O major Silva Castro comandou o batalhão dos “Periquitos” (assim chamados, pois seus uniformes eram verdes) que incluía lavradores sertanejos e a valente Maria Quitéria. Na obra de Castro Alves a data 2 de julho, marco daquela expulsão, esteve presente em poesias e homenagens, como em Ao dois de julho recitada no teatro São João, na Bahia, em 1867, em que lembra as batalhas e seu avô, o major Silva Castro:

(...)
Vós sois os cedros da História,
A cuja sombra de glória
Vai-se o Brasil abrigar.
E nós que somos faíscas
Da luz desses arrebóis,
Nós que somos borboletas
- Das crisálidas de avós
(...)


Quando estava em São Paulo, em 1868, Castro Alves recitou no Teatro São Paulo outra poesia em homenagem a esta data, Ode ao Dois de Julho. Antes de começar disse algumas palavras como gostava de fazer e neste caso agradou ao público paulista traçando uma ponte entre Salvador e São Paulo. Mostrou habilmente como entendia a unidade nacional no episódio da independência:

O Ipiranga é irmão do Paraguaçu. O 7 de setembro é irmão do 2 de julho. Não há glória de uma província, há glória de um povo. É sempre o Brasil herdeiro augusto dos heróis, esses pródigos sublimes.

O poeta sabia que a Independência não foi simplesmente acordada pelos aristocratas. Sabia que houve luta renhida e sangue. Não ignorava que, assim como outras partes do globo, a luta estava radicalizada na gestação de um mundo novo. Após os aplausos dos paulistas iniciou a sua declamação onde sugere uma marca de contrários:


(...)
Não! Não eram dois povos que abalavam
Naquele instante o solo ensanguentado...
Era o porvir – em frente ao passado,
A Liberdade – em frente à Escravidão,
Era a luta das águias – e do abutre,
A revolta do pulso – contra os ferros,
O pugilato da razão – com os erros,
O duelo da treva – e do clarão!...

(...)

Essa ideia de contrários mostra quão radicalizada estava a conjuntura política que o poeta descreve. É como se fosse a principal batalha da humanidade até aquele momento. E com o mesmo par de contrários inicia O Século:

O séc´lo é grande... No espaço
Há um drama de treva e luz

Sua poesia lírica também foi influenciada por membros da sua família. Dona Clélia, sua mãe, tinha uma irmã, Pórcia que se apaixonou por um homem casado, Leolino Canguçu. Segundo as leis do sertão uma mulher solteira não poderia ter relação de nenhuma espécie com um homem casado. E se assim fosse, o fruto desse romance não poderia viver. Pórcia e Leolino tiveram um filho depois de fugirem e se esconderem no meio da caatinga.

Um dia Leolino saiu para caçar e deixou capangas tomando conta da choupana, da esposa e do filho. O pai de Pórcia muito os procurou e um dia os achou. Jorge Amado em seu ABC de Castro Alves detalha a cena do resgate de Pórcia da seguinte forma:

Pórcia fica com o filho, guardada pelos cabras e brinca com a criança (...) Mas eis que rompe o tiroteio. Ela (...) vê seu pai à frente envolvido pelo combate. Toma do filho, tenta partir pelos campos.

E não consegue. Pórcia é pega e Silva Castro é apresentado ao neto. Fruto daquele amor proibido, os olhos do menino:

(...) suplicam piedade, a criança ri (...) Mas é preciso cumprir a lei do sertão e aquele filho ilegítimo será sempre um insulto à honra dos Castros. O major Silva Castro faz um sinal aos cabras, eles tomam da criança (sorria a criança...), e a vista da mãe que enlouquece, retalham-na a facão. A lei está vingada, o filho daquele amor foi cortado da terra.

Pórcia voltou para a casa do pai na garupa do cavalo aos gritos. Louca ela ainda gritou por anos, até sua morte. Inclusive na presença do pequeno Cecéu que foi fortemente influenciado pela história de sua tia.

Outro elemento familiar do poeta que povoou seu imaginário foi o tio paterno João José Alves. Aventureiro, comandante de milícias populares, nacionalista ferrenho, sempre que se metia em confusões na rua corria à casa do irmão – para a alegria de Cecéu que gostava de ouvir as histórias do tio lutando com capoeiras, discutindo com conservadores, falando sobre a independência do Brasil.

Um dia foi a família, mais João José, assistir a uma peça no Teatro São João. A plateia aristocrática exibia joias e roupas caras. No pano de fundo do palco uma pintura que exibia Tomé de Sousa chegando ao Brasil e índios que expressavam subserviência. João José pulou ao palco, tirou uma faca da cintura e rasgou toda pintura. Entre aplausos e vaias a confusão tomou conta do teatro, sob o olhar atento de Cecéu. O forte antilusitanismo na Bahia daquela época não admitia que “brasileiros” fossem subjugados perante os portugueses. O tio João José foi uma influência nacionalista na vida militante e na obra de Castro Alves.

Aos 11 anos o poeta foi estudar no Ginásio Baiano, dirigido por Abílio César Borges, professor que aboliu em sua escola o uso da palmatória e de castigos. Fazia saraus para que os alunos exercitassem leituras num ambiente mais informal. Assim o poeta declamou em público suas primeiras poesias – nessa época, ainda inocentes e infantis, mas com talento já reconhecido. Ali Castro Alves aprendeu francês e começou a ler e traduzir entre outros Victor Hugo – autor francês que tinha como protagonistas de suas obras miseráveis e trabalhadores.

Nessa época Álvares de Azevedo era um dos poetas de maior destaque no país. Tinha um sentimento mórbido em sua poesia, desejava e falava da morte; descrevia situações extremas de festas e arruaças nos cemitérios. Castro Alves se contrapôs a essa visão cética do mundo, como em O Século neste trecho:

(...)
E enquanto o ceticismo
Mergulha os olhos no abismo,
Que a seus pés raivando tem,
Rasga o moço os nevoeiros,
Pra dos morros altaneiros
Ver o sol que irrompe além.

(...)

Os ventos da esperança traziam ideias progressistas

Castro Alves foi um homem de seu tempo. Sofreu influência das lutas democráticas do Brasil, EUA e Europa. Édison Carneiro listou os principais acontecimentos avançados no período da vida do poeta:

Este quarto de século [1847-71] caracterizou-se por um lado, pelo esmagamento das insurreições de 1848 em Paris, Berlim e Viena, pela liquidação do levante dos poloneses contra o Czar (1848) e da República de Roma (1849), pela reação e pela demagogia mais desenfreadas, pela implantação de governos tirânicos e ditatoriais, como Napoleão III (1851); e, por outro lado, pela publicação do Manifesto do Partido Comunista (1848), pela unificação da Itália sob o comando de Garibaldi (1860), pela fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores (1864), pela vitória de Lincoln e das forças progressistas na guerra civil americana (1865) e pela ressurgência do movimento democrático nas barricadas da Comuna de Paris (1871).


O Brasil também estava em grande convulsão. Durante o Império (1822-89), passou por imensas crises políticas e levantes populares. A monarquia massacrou passo a passo todas as manifestações de oposição e de cunho popular como a dos Cabanos nos Pará (1833), dos Farrapos no Rio Grande do Sul (1835-45), Sabinada na Bahia (1837), Balaiada no Maranhão (1839), a revolução liberal em Minas e em São Paulo (1842) e os Praieiros em Pernambuco (1848-49).

Da Revolução Praieira, Castro Alves admirava a luta pelo voto livre e universal, liberdade de pensamento e de imprensa, garantia de trabalho a todos, independência dos poderes constituídos com a exclusão do Poder Moderador, sistema federativo, reforma do poder Judiciário, garantia dos direitos individuais e liberdade a todos os escravos. Esse movimento foi declaradamente republicano e teve dois líderes que se destacaram na obra de Castro Alves, Pedro Ivo e Antonio Borges da Fonseca. O primeiro é título de um de seus poemas que propaga a ideia de república:

(...)
República!... Vôo ousado
Do homem feito condor!
Raio de aurora inda oculta

(...)

E mesmo estando “oculta” era conhecida pelas camadas mais avançadas daquele Império brasileiro. O poeta sabia que para derrubar a enraizada monarquia não poderia ser uma empreitada de poucos ou de uma elite; então chama o povo a lutar por ela:

(...)
Então repeti ao povo:
Desperta do sono teu!

(...)
Quando o povo acordado
Te erguer do tredo valado,
Virá livre, grande, ousado

(...)

E quando falou da Revolução Praieira, comparou-a a Revolução Francesa de 1789:

(...)
E eu disse: Silêncio, ventos!
Cala a boca, furacão!
No sonho daquele sono
Perpassa a Revolução!
Este olhar que não se move
Está fito em – Oitenta e Nove –

(...)

Borges da Fonseca – o outro revolucionário praieiro admirado pelo poeta – em 1864, em Recife, fez um comício republicano (dissolvido com muita violência à patas de cavalos) estava presente o estudante Castro Alves.
Com a arma que o poeta tem, em meio a confusão, Castro Alves de improviso declamou o que conhecemos por O povo ao poder, um manifesto que unifica o continente americano como povos “irmãos” e representa a defesa do direito à reunião, à palavra, ao livre pensamento:

Quando nas praças se eleva
Do povo a sublime voz,
Um raio ilumina a treva,
O Cristo assombra o algoz

(...)

A praça, a praça é do povo!
Como o céu é do condor!
É antro onde a liberdade
Cria a águia ao seu calor!
Senhor, pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça!...

Só tem a rua de seu
Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos...
(...)
Na tortura, na fogueira...
Nas tocas da inquisição
Chiava o ferro na carne
Porém gritava a aflição

(...)
A palavra, vós roubais-la
Dos lábios da multidão.
Dizeis, senhores, à lava
Que não rompa do vulcão!

(...)

Castro Alves foi um jovem revolucionário de seu tempo

 

Liberdade de imprensa, paz e voto feminino

Só após a vinda da Família Real, em 1808, o Brasil pôde ter máquinas de imprensa legalizadas. Antes qualquer impresso era perseguido, proibido, as máquinas quebradas, os jornalistas, gráficos e escritores presos. No tempo de Castro Alves ainda era recente a abertura ao impresso e a monarquia também tinha seus aparatos de censura. Contra esta, o poeta escreveu O livro e a América em clara alusão à liberdade de imprensa – no sentido do periódico e do livro –, à educação popular e ainda fez uma homenagem ao inventor, do século 15, que construiu a primeira máquina de impressão, o germano Johannes Gutenberg:

(...)
Filhos do séc’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vós mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro – esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
(...)
Por uma fatalidade
Dessas que descem do além,

O séc’lo que viu Colombo
Viu Guttemberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou...
O Genovês salta os mares...
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto –
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.


O poeta via na imprensa uma forma de falar para milhões e descrevia assim, em Deusa Incruenta, a sua grandeza “divina”:

(...)
Tem hoje por tribuna imensa – a eternidade,
Por Fórum – o universo! e plebe – a humanidade!
A seus pés – as nações! os séculos – em redor!

(...)

Na obra de Castro Alves é possível perceber o quanto o poeta falava e se preocupava com o futuro. Ele usou e abusou da palavra “porvir” e da ideia de amanhã. Na abertura do semestre letivo de 1865 na Faculdade de Direito de São Paulo (hoje USP – Largo São Francisco) declamou para os estudantes O Século, um manifesto que relata a conjuntura política internacional e chama àqueles estudantes a pensar o futuro através das inúmeras insurreições (principalmente na Europa e Estados Unidos) que aconteciam naquele momento:

Pra nós o vento da esperança
Traz o pólen do porvir

(...)

Toda noite – tem auroras
Raio – toda a escuridão.
Moços, creiamos, não tarda
A aurora da redenção

Castro Alves também foi um dos primeiros a defender o voto feminino – só conquistado formalmente na Constituinte de 1934 (63 anos após sua morte). Em Carta às Senhoras Baianas, publicada no periódico O Abolicionista em 30 abril de 1871, por ocasião da campanha de arrecadação de dinheiro para a compra de alforrias, defende assim:

“A terra que realizou a emancipação do homem, há de realizar a emancipação da mulher. A terra que fez o sufrágio universal não tem o direito de recusar o voto de metade da América. Este voto é o vosso. É o voto dessas mães de família que aprenderam no amor de seus filhos a ternura pelas crianças.”

Lutou contra as guerras, para ele só o mundo em paz teria um “iluminado porvir”. Durante a Guerra Franco-Prussiana a colônia francesa na Bahia organizou o Comité du Pain (Comitê do Pão) onde Castro Alves recitou No meeting do Comité du Pain para auxiliar na arrecadação de donativos aos mutilados, órfãos e viúvas da guerra:

(…)
Filhos do Novo Mundo! ergamos nós um grito
Que abale dos canhões o horríssono rugir,
Em frente do oceano! em frente do infinito
Em nome do progresso! em nome do porvir!

(...)
Não; clamemos bem alto à Europa, ao globo inteiro!
Gritemos liberdade em face da opressão!
Ao tirano dizei: Tu és um carniceiro!
És o crime de bronze! – escreva-se ao canhão!

(...)

Em sua estadia no Rio de Janeiro em 1868, leu para o escritor José de Alencar o drama Gonzaga e algumas poesias. O escritor logo indicou uma visita do poeta a Machado de Assis em carta que passou a seguinte impressão:

Recebi ontem a visita de um poeta. O Rio de Janeiro não o conhece ainda; muito em breve o há de conhecer o Brasil (...) Palpita em sua obra o poderoso sentimento da nacionalidade, essa alma da pátria, que faz os grandes poetas, como os grandes cidadãos. Não se admire de assimilar eu o cidadão e o poeta, duas entidades que no espírito de muitos andam inteiramente desencontradas (...)

Machado de Assis, o maior símbolo da literatura brasileira, não demorou a responder à carta de José de Alencar após a visita de Castro Alves:

Ouvi Gonzaga e algumas poesias (...) Não podiam ser melhores as impressões. Achei uma vocação literária, cheia de vida e robustez, deixando antever nas magnificências do presente as promessas do futuro. Achei um poeta original. O mal da nossa poesia contemporânea é ser copista.

 

)

 

Militância contra a escravidão

Além da obra literária e participação ativa em sociedades secretas e coleta de fundos para compra de alforrias, o poeta problematizou o estatuto do negro forro. Raciocinava diferente de muitos de seus colegas escritores e poetas, de forma societária. Para Castro Alves como libertar um negro tendo, este, ainda, sua mãe, irmã, pai, tios escravizados? Seria uma meia alforria. A liberdade não poderia ser individualizada, mas sim uma cláusula pétrea do funcionamento jurídico do país. Sua militância literária mais conhecida enreda pelas poesias que mostravam a situação do negro escravo. Assim temos a violenta e radical Bandido negro:

(...)
Somos nós meu senhor, mas não tremas,
Nós quebramos as nossas algemas
Para pedir-te as esposas ou mães.
Este é o filho do ancião que mataste.
Este é o irmão da mulher que manchaste...

Oh! Não tremas senhor, são teus cães.
Cai, orvalho de sangue do escravo,
Cai, orvalho na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,

Cresce, cresce, vingança feroz.
(...)

Através dos versos Castro Alves mostrou o sofrimento, o dia a dia e trouxe síntese de humanidade daqueles que eram considerados sub-raça, como em A canção do africano:

(...)
O escravo calou a fala,
Por que na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Para não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!

(...)

Mostrou a vinda de gerações de negros que chegavam ao Brasil de forma violenta, através de O Navio Negreiro – que tem como subtítulo Tragédia no mar:

(...)
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar...

Negras mulheres suspendendo as tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

(...)


Admirava a grande obra dos quilombos e para o principal deles fez Saudação a Palmares, mostrando a garra com que aqueles negros construíram a resistência à escravidão:

(...)
Palmares! a ti meu grito!
A ti, barca de granito,
Que no soçobro do infinito,
Abriste a vela ao trovão,
E provocaste a rajada,
Solta a flâmula agitada,
Aos urros da marujada,
Nas ondas da escravidão!

(...)

Agnese Trinci Murri (esq.), Eugênia Câmara (dir.) e Leonídia Fraga foram os grandes amores da vida do poeta

 

Um Valete inato

Grande parte da obra do poeta foi de cunho lírico, reflexivo e amoroso, ou seja, não revelava a influência de seus ideais políticos. Foram poesias (e uma peça de teatro inacabada D. Juan – ou A Prole dos Saturnos) dedicadas direta ou indiretamente às suas amantes e amigos. O poeta teve muitos deles: foi íntimo de Joaquim Nabuco, morou com Rui Barbosa, conviveu com Fagundes Varela, Tobias Barreto, Afonso Pena, Rodrigues Alves, José Bonifácio, o Moço (o neto do Patriarca da Independência) e conheceu José de Alencar e Machado de Assis. Outros, menos ilustres, acolheram-no e ajudaram-no quando precisou; e tiveram sua gratidão em gestos e versos.

Mas as mulheres é que receberam sua maior atenção e criação em forma de versos. A elas dedicou as sensuais Boa noite” e Adormecida, as recatadas Não sabes e Meu segredo e as saudosas Penso em ti e Horas de saudade. Leonídia Fraga, seu amor de infância, morreu louca e octogenária já no século 20, e suas últimas palavras foram: “Eu sou a noiva do poeta Castro Alves”. Idalina (de sobrenome desconhecido) morou com o poeta na periferia de Recife e assistiu boa parte da confecção do livro Os Escravos.

Há também a célebre Eugênia Câmara, a atriz portuguesa dez anos mais velha com quem o poeta se relacionou durante dois anos; inclusive moraram juntos em Recife e São Paulo. Para ela, além dos anos de dedicação foram oferecidos O ‘adeus’ de Teresa, A atriz Eugênia Câmara entre outras. Maria Amália Lopes dos Anjos não foi precisamente uma amante do poeta, mas uma enfermeira nos dias difíceis em São Paulo; a ela foi dedicada a belíssima O laço de fita.

Outras passaram pela vida do poeta as irmãs judias Simy, Éster e Mary Amzalack, Sinhazinha, Eulália, Maria Cândida, Dendém, Brasília, Virgínia e a misteriosa Inês do poema A uma estrangeira. Já no final da vida Castro Alves se apaixonou por outra atriz, Agnese Trinci Murri, italiana e professora de piano de sua irmã Adelaide. Agnese foi uma síntese da vida amorosa de desencontros e pouco sucesso do poeta. Ele cortejava-a sem muitos resultados e numa das aulas de piano enquanto um violento temporal caía lá fora escreveu Durante uma tempestade:

A terra treme... As folhas descaídas
Rangem ao choque rijo do granizo
Como acalenta um coração aflito
Como é bom o teu sorriso!...

(...)

Tu és a minha vida... o ar que aspiro...
Não há tormentas quando está em calma.
Para mim só há raios em teus olhos,
Procelas em tua alma!

Ainda para Agnese o poeta escreveu No Camarote, que termina lamentando a distância da atriz:

Feliz quem possa na ansiedade louca
Esta bela mulher prender nos braços...
Beber o mel na rosa desta boca,
Beijar-lhe os pés... quando beijar-lhe os passos!

No leito de morte Castro Alves proibiu a família e os amigos de deixar Agnese entrar no quarto onde se encontrava, não queria que a amada o visse esperando a morte. Trinta anos depois do desaparecimento do poeta, Agnese confessou em depoimento a Afrânio Peixoto que:

muito o amei e de um indefinido amor (nenhuma mulher poderia ter resistido a tanto talento, a esse gênio sobrenatural, afora a beleza física!). Mas castigando o meu pobre coração, disse-lhe: Cala-te, esconde este teu sentir, aniquila-te, despedaça-te, não vês que o amor para ti é crime?! E assim foi: mandei, obedeceu. Mas só Deus sabe, quanto sofri! Por que este amor santo era para mim o meu céu na terra! Quanto sofri sobretudo quando Cecéu (era seu apelido em casa) me falava, entregando-me as poesias que para mim tinha feito, ressentidas da minha frieza (para dissuadi-lo dizia ser impossível amar duas vezes...) [ já que o poeta havia amado Eugênia Câmara], eu que estava prestes a dizer-lhe: não vês que te enganas? Que eu se me pertencesse, se me ordenasses de morrer a teus pés sem hesitar cumpriria o teu desejo?... Mas eu pertencia a essa nobre sociedade baiana, de mim entusiástica, sem que eu tivesse merecimento para isto, e que me tinha recebido em seus generosos braços...”


Castro Alves foi trocado por um status desmerecido onde Agnese se arrependeu tarde. Para ela outras poesias ainda foram dedicadas: Em que pensas?, Aquela mão e a sua última poesia datada (15 de junho de 1871 – vinte e um dias antes de morrer), a aflitiva Gesso e Bronze.

Castro Alves era um jovem poeta vaidoso, mesmo de longe da gráfica deu pessoalmente todas as orientações para a primeira edição de Espumas Flutuantes seu único livro publicado em vida, (não teve tempo de publicar os projetos Os Escravos e Hinos do Equador – que apareceram ao público postumamente).

Confirmando a vaidade do poeta, em São Paulo, antes de sair de casa para as tavernas onde encontrava artistas e estudantes dizia: “Tremei, pais de família! D. Juan vai sair...” e em outra oportunidade, percebendo, sem modéstia, o seu talento disse “Eu sinto em mim o borbulhar do gênio”.

No final de 1868, em uma caçada, em São Paulo, Castro Alves sofreu um acidente com uma arma, que da sua cintura disparou no calcanhar esquerdo. O ferimento se complicou e foi preciso amputar o pé, mesmo sem anestesia, serrando-o – já que uma machadada estilhaçaria os ossos do restante da perna. Pouco apareceu em público nessa situação. Sua tuberculose se desenvolveu e foi seu pesadelo até a morte. Seu último pedido foi ver o sol que brilhava na janela perto de sua cama. Morreu em Salvador, em 6 de julho de 1871 aos 24 anos, sendo autor de imensa obra literária em defesa do Brasil e seu povo, contra a escravidão e pela República, pela paz e contra a guerra.

 

A Bahia de Castro Alves, de Waldemar de Mattos; Vida e amores de Castro Alves, de Pedro Calmon; e o ABC de Castro Alves, de Jorge Amado (1941).  Este último não é uma biografia do poeta e sim uma “louvação” como diz o próprio autor; é o texto referente a Castro Alves que mais povoou o imaginário dos militantes de esquerda brasileiros.

“Traduzir” Castro Alves para os dias de hoje não é tarefa fácil, mas é possível. A banda O Rappa, lembrou o poeta quando fez uma comparação muito oportuna com a nossa realidade: “Em todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. A violência policial cai, sobretudo na juventude negra, trazendo atualidade aos “ouvem-se gritos... o chicote estala”; “tinir de ferros” e “mágoas vãs”. É a realidade da juventude da periferia dos grandes centros urbanos que carece de aparelhos públicos de lazer e obrigam ocupar shoppings, estacionamentos e calçadas. E por isso ainda não podemos dizer ainda que “a praça é do povo” e nem saudar a “aurora da redenção”!

Das grandes bandeiras do poeta, a república e a abolição, até mais do que formalmente foram conseguidas. Por outro lado a luta por uma sociedade livre de injustiças, onde reine a paz, sem racismo, sem miséria foram bandeiras do poeta que ainda estão em (longo!) processo de conquista; e estão nas mãos desta e das próximas gerações de jovens de elevado valor moral a luta incessante para avançar no nosso processo civilizacional.

É nesse espírito que a UJS incorpora a rebeldia, a indignação, a combatividade de Castro Alves e o tem como seu patrono.

Parabéns à União da Juventude Socialista, pelos seus 30 anos em defesa do Brasil, da juventude e do socialismo!

“Foi belo e grande como um semideus, forte e nobre como um herói, inspirado e vidente como um poeta, ele foi o vosso ideal realizado, um símbolo concreto de vossas inteligências todas, de todos os vossos corações num grande homem só, como vosso retrato, ó mocidade!” Afrânio Peixoto. Conferência sobre os 50 anos de desaparecimento do poeta Castro Alves, proferida no Centro Acadêmico 11 de Agosto da Faculdade de Direito de São Paulo (hoje USP – Largo São Francisco) em 12 de julho de 1921.

Para saber mais sobre a vida, a época e a obra de Castro Alves:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/calves.html

Bibliografia
AMADO, Jorge “ABC de Castro Alves”, Martins, São Paulo, s/d;
ALVES, Castro “Espumas Flutuantes”, Ediouro, Rio de Janeiro, 1997;
_____________ “Os Escravos”, Martin Claret, São Paulo, 2003;
_____________ “Hinos do Equador”, Livraria Progresso Editora, Salvador, 1956;
_____________ “Gonzaga”, Livraria Progresso Editora, Salvador, 1956;
_____________ “Relíquias – ensaios e prosas conforme documentos autênticos”, (org. Afrânio Peixoto), Companhia Editora Nacional, 1944;
CARNEIRO, Edison “Castro Alves – uma interpretação política”, Andes, Rio de Janeiro, 1958;
IVO, Lêdo “Poemas de Castro Alves”, Global Editora, São Paulo, 1985;
SILVA, Alberto da Costa e “Castro Alves – Um poeta sempre jovem”, Companhia das Letras, São Paulo, 2006;
SILVA, Francisco Pereira da “Castro Alves”, Editora Três, São Paulo, 2003.

Prefácios de tantas edições, conferências, artigos, notas, capítulos, biografias e outros textos também ajudam a tecer esse panorama do poeta, entre eles podemos citar os de Rui Barbosa, Euclides da Cunha, Afrânio Peixoto,Aydano do Couto Ferraz, Heitor Ferreira Lima, Fernando Góis, Joaquim Nabuco, Pinheiro Viegas, Agripino Grieco, Gilberto Amado, Evaristo de Morais, Mario de Andrade, José Veríssimo, Múcio Teixeira, João Ribeiro, Antonio de Pádua, Artur Mota, Xavier Marques, Eugênio Gomes, Myriam Fraga, Fausto Cunha, Aramis Ribeiro Costa, Antonio José Chediak, Alfredo de Carvalho, Pedro Calmon, Manuel Bandeira, Eliane Zagure, Valdemar Matos, Augusto Álvares Guimarães, Mercedes Dantas e Jamil Almansur Haddad.

Outros links comemorativos e da obra do poeta:

Catálogo da exposição comemorativa do centenário de morte de Castro Alves. Inaugurada em 2 de julho de 1971 pelo Ministério da Educação, no Rio de Janeiro

Exposição de 150 anos


(Este artigo foi revisto, ampliado e adaptado da versão “160 anos do poeta Castro Alves” publicada na Revista Juventude.Br nº3 – jun/2007)

Fernando Garcia de Faria é historiador e Coordenador do Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois