As canções de protesto de Victor Jara e Patricio Manns marcaram a chegada da Unidade Popular (UP) e de Salvador Allende à presidência do Chile, em 1970. Os intelectuais daquele país, e a esquerda de maneira geral, entraram em ebulição diante das promessas de mudança. São cenas presentes em diversas obras publicadas desde então. Poucas são, porém, as que investigam e narram tal episódio, bem como seus antecedentes e efeitos, a partir da experiência dos trabalhadores. Aí mora a singularidade do livro O protagonismo popular: experiências de classe e movimentos sociais na construção do socialismo chileno (1964-1973), de Márcia Cury.

Fruto da tese de doutorado defendida pela autora na área de Ciência Política, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, o livro coloca na posição de protagonistas personagens comumente secundarizados da história recente do Chile, resgatando percursos vividos dentro e fora dos ambientes de trabalho da zona urbana de Santiago. São cinco capítulos: “O movimento operário e a questão social no debate político”; “Construindo identidades: As lutas do cotidiano”; “A hora e a vez da revolução: Projetos de transformação nacional”; “‘Trabajadores al poder!’ Da participação proposta à participação vivida”; e “Crear, crear poder popular!”.

O eixo do livro se dá em torno do sistema de participação que passou a ser implementado nos diferentes espaços de trabalho após a vitória de Allende. Nesse contexto de novas relações sociais e formas de organização, uma grande parcela dos trabalhadores despertou para a necessidade de ir além da transição proposta e alcançar uma atuação mais ativa na condução do trabalho. Diante disso, Cury revela de que maneira o projeto de participação popular da UP foi reapropriado pela classe trabalhadora e, assim, possibilitou o engrandecimento do processo revolucionário.

A movimentação dos trabalhadores naquele período é narrada pela autora em meio a relatos de quem vivenciou – direta ou indiretamente – tal cenário, como operários fabris e da construção, donas de casa, militantes de esquerda, simpatizantes de Allende, simpatizantes da oposição, sindicalistas, atuantes do movimento de pobladores – que lutavam por habitação nos bairros periféricos – e interventores do governo nas empresas. Além das fontes orais, a pesquisa incorpora elementos de jornais e revistas da época, panfletos de cunho político, documentos de empresas e do Ministério do Trabalho, canções de protesto, e os filmes A batalha do Chile e Machuca.

Marcado por ocupações de fábricas e confrontos cotidianos, esse resgate histórico traz à tona a autonomia da classe trabalhadora frente às decisões tomadas pelos partidos, patrões, líderes sindicais e governantes. Apesar das variadas tensões provocadas entre os trabalhadores e o governo, Cury demonstra que nasceu daí um importante compartilhamento de projetos entre a classe trabalhadora e a esquerda chilena, levando à agenda política nacional as reivindicações políticas e sociais dos setores populares.

Como diz a autora, já no encerramento do livro, “é imprescindível retirar a história de protagonismo dos trabalhadores do âmbito do esquecimento deliberado e do proibido, revertendo o espaço destinado a ela para colocá-la como horizonte e como perspectiva, para não se esquecer da capacidade de transformação que têm os sujeitos coletivos e para se pensarem novas formas de construir uma sociedade verdadeiramente democrática”.

 

 

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SERVIÇO

Título: O protagonismo popular: experiências de classe e movimentos sociais na construção do socialismo chileno (1964-1973)

Autora: Márcia Cury

Editora da Unicamp

Páginas: 408

Preço: R$ 66,00

http://www.editoraunicamTp.com.br/produto_detalhe.asp?id=1148

 

Publicado em Jornal da Unicamp