Imagine um sistema capaz de obter imagens em infravermelho de uma plantação de alface a fim de identificar quais mudas estão crescendo corretamente dentro de uma estufa. Feito isso, braços robóticos transportam as verduras selecionadas para um novo local, onde são utilizados sensores no solo para acompanhar o crescimento de cada uma. Quando a planta precisa de água, os dispositivos acionam um sistema de irrigação para regá-las apenas com a quantidade necessária. Este é apenas um exemplo dos diversos cenários do campo da chamada Agricultura 4.0, frente que visa conectar e integrar todos os procedimentos agropecuários por meio de recursos tecnológicos.

Sensores analisam umidade, temperatura e composição química
São diversos tipos de ferramentas e dispositivos que vêm sendo desenvolvidos para contribuir com essa tarefa. Os mais conhecidos são os sensores, como os que analisam umidade, temperatura e a composição química do solo. “Eles permitem que atuemos como ‘nutricionistas’ das plantas, identificando as necessidades de cada uma e a quantidade exata de água ou nutrientes de que elas precisam”, explica Felipe Bocca, doutorando da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp.

Todas essas informações são aferidas diversas vezes ao dia e, por meio de uma conexão com a internet, podem ser enviadas em tempo real para computadores que armazenam quantidades enormes de dados. Com o uso de softwares, inteligência artificial e técnicas de aprendizado de máquinas, é possível interpretá-los, facilitando a tomada de decisão dos produtores rurais. “Na agricultura convencional, o processo de coleta de informações é muito demorado e limitado. Já com a Agricultura 4.0, a ideia é levantar dados mais detalhados e de forma mais rápida”, ressalta o professor da Feagri Luiz Henrique Rodrigues.

 

O professor da Luiz Henrique Rodrigues, da Feagri: “Na agricultura convencional, o processo de coleta de informações é muito demorado e limitado. Já com a Agricultura 4.0, a ideia é levantar dados mais detalhados e de forma mais rápida”

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em 2010, pela primeira vez no mundo a população urbana ultrapassou a rural. Estima-se que, em 2050, o planeta contará com cerca de 9 bilhões de habitantes e sete em cada dez pessoas viverão nas cidades, cenário que pode comprometer a produção agrícola. “Teremos uma menor mão de obra no campo, o que torna ainda mais fundamental a automação de processos de produção e monitoramento de plantações. Por outro lado, incentivar a agricultura urbana também é importante e iniciativas como a ‘agricultura vertical’ poderão ajudar”, diz a doutoranda Monique Oliveira.

Conhecendo melhor o que cultivamos

Com o inevitável crescimento populacional das próximas décadas, as iminentes mudanças climáticas que culminarão em menos água e o compromisso de continuar preservando o meio ambiente, como aumentar a produtividade no campo para atender as demandas? A resposta, segundo os especialistas, é simples: conheça o que você planta, utilizando a tecnologia.

Suponha que, após cultivar uma plantação de cana-de-açúcar, você colha uma boa quantidade ao final do processo. No entanto, você não tem nenhuma informação sobre como foram as etapas de crescimento da cana. É aí que está o problema. Os especialistas afirmam que é preciso acompanhar passo a passo o desenvolvimento da planta a fim de lhe proporcionar as melhores condições e explorar seu maior potencial. “Sem o acompanhamento correto, uma planta pode perder, em geral, até metade de sua capacidade de crescimento”, afirma Bocca.

 

O pesquisador Felipe Bocca: “Os sensores permitem que atuemos como ‘nutricionistas’ das plantas, identificando as necessidades de cada uma e a quantidade exata de água ou nutrientes de que elas precisam”,

Por isso que o uso de sensores é tão importante, pois com eles saberemos o que a planta deseja em qualquer estágio de crescimento. Da mesma forma que o Facebook infere o tipo de conteúdo que mais interessa ao usuário e os coloca em seu feed de notícias, pode-se fazer isso no universo rural. “Os sensores nos permitem entender o que as plantas estão querendo e a gente fornece para elas. Dessa forma, podemos aumentar nossa produtividade”, diz Rodrigues.

Segundo Oliveira, tanto no Brasil quanto no mundo, a quantidade de pesquisas sobre Agricultura 4.0, especialmente quando se trata de internet das coisas, ainda é baixa e encontra-se em estágios iniciais. Não somente a população urbana, mas até mesmo produtores rurais não possuem muita informação a respeito dessas tecnologias, o que que resulta na manutenção da agricultura convencional por boa parte deles.

Além do desconhecimento das pessoas sobre a importância da tecnologia no campo, alguns outros fatores também atrasam o avanço das pesquisas. A falta de infraestrutura, principalmente a dificuldade em levar internet ao meio rural, a limitação para atender demandas em larga escala, além dos altos investimentos necessários, são algumas das barreiras. Desenvolver sistemas que consigam entender as necessidades das plantas é a ideia do Sistemas Inteligentes de Suporte à Decisão na Agricultura (SISDA), grupo de pesquisa da Feagri coordenado pelo professor Rodrigues.. “Queremos que esse tipo de tecnologia se popularize e não sirva apenas para grandes produtores. Para isso, o SISDA tem buscado soluções que utilizam sensores de baixo custo”, explica Oliveira.

 

A doutoranda Monique Oliveira: “Teremos uma menor mão de obra no campo, o que torna ainda mais fundamental a automação de processos de produção e monitoramento de plantações”

Como iniciativa para fomentar a discussão sobre o tema, o professor Rodrigues organizou o fórum “Agricultura 4.0: Internet das coisas e o aumento da produtividade agrícola”, realizado no último dia 14 de setembro, no auditório do Centro de Convenções da Unicamp. O evento contou com a presença de referências da área, entre as quais o professor Bedir Tekinerdogan, da Wageningen University; Bianca Zadrozny, coordenadora da área de Análise de Dados de Recursos Naturais do Laboratório de Pesquisas da IBM Brasi; o professor Jó Ueyama, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos; Carlos Lorena Neto, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD); e Daniel Costa, consultor técnico e líder de projetos do Instituto de Pesquisas Eldorado.

A luta dos pesquisadores também passa pela mudança de alguns conceitos e estereótipos sobre a agricultura. Na opinião de Bocca, a área ainda é vista como algo rudimentar e os investimentos sempre chegam com atraso no setor. “No final das contas, nosso objetivo final é fortalecer a produção de alimentos. Precisamos fazer com que a tecnologia chegue mais rápido ao campo se quisermos enfrentar o desafio que virá pela frente”, finaliza.