Ciência com tapioca

Foi uma semana agitada em São Luís. Habituados ao movimento intenso das temporadas turísticas, os ludovicenses – assim são chamados os nascidos na capital do Maranhão – não imaginariam que um encontro científico poderia mobilizar a cidade em semelhante medida. Pode-se dizer que a 64ª Reunião Anual da SBPC fez bastante sucesso por aquelas bandas.

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Salgado Filho: “Foi ótimo ver não só cientistas, mas também famílias, crianças e curiosos em geral interessados em ciência e educação”

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Afinal, não foram somente os 11.912 participantes inscritos que circularam pelos espaços da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), sede do evento. Segundo os organizadores, foram registrados mais de 25 mil visitantes, o que é, possivelmente, um recorde de público para o encontro. “De cada dez participantes, estimamos que apenas quatro ou cinco estavam inscritos”, comemorou o reitor da UFMA, Natalino Salgado Filho, referindo-se à política de não usar credenciais, que “garantiu acesso livre e democrático a todos os espaços da reunião”.

“Foi ótimo ver não só cientistas, mas também famílias, crianças e curiosos em geral interessados em ciência e educação”, comentou o reitor da UFMA.

Foram 55 mesas-redondas; 48 conferências; 46 mini-cursos; cinco assembleias; além de diversos outros eventos paralelos, como a SBPC Jovem e a feira Expo T&C.

Diálogo de saberes

“O tema central foi relevante e estratégico”, disse Luiz Alves Ferreira, secretário regional da SBPC no Maranhão. Ele, que também é representante do Centro de Cultura Negra do estado, afirmou que “há uma resistência histórica, por parte da comunidade científica, em discutir os saberes tradicionais”. Segundo o pesquisador, a reunião foi um grande primeiro passo para romper tal barreira invisível.

Foi esse o grande mérito do encontro: cientistas, quilombolas, indígenas e populações ribeirinhas dialogaram de igual para igual.

Assim como os cientistas, índios, quilombolas e representantes de populações ribeirinhas tiveram voz em diversas mesas-redondas realizadas na Reunião Anual da SBPC em São Luís. (foto: Henrique Kugler)

Para a presidente da SBPC, Helena Nader, não são apenas os números que contabilizam o sucesso de uma reunião. “Nossa campanha permanente pelos 10% do PIB para educação continua a todo vapor”. Durante o evento, circulou um abaixo-assinado a favor dessa meta e da aplicação de 50% dos royalties do petróleo em ciência, tecnologia e educação. Segundo ela, “a educação vem melhorando, mais é claro que ainda precisamos de grandes e importantes ajustes”.

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Na reunião, o presidente da Agência Espacial Brasileira comprometeu-se a promover políticas inclusivas em benefício das comunidades locais afetadas pelo Centro de Lançamento de Alcântara

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Como saldo do encontro, o reitor da UFMA acenou com a possibilidade de, em breve, convidar a SBPC para promover um evento em Alcântara (MA) – município que, como noticiou a CH On-line, enfrenta grave impasse social devido à implantação de um centro de lançamento aeroespacial. Na reunião, o presidente da Agência Espacial Brasileira, José Raimundo Coelho, comprometeu-se a promover políticas inclusivas em benefício das comunidades locais afetadas pelo projeto.

Para os ambientalistas de plantão, a boa notícia é que, apesar do fim da Rio+20 e do esvaecimento da típica avalanche de informações midiáticas sobre o tema, o debate ambiental continua vivo na academia. Os pesquisadores dedicaram uma tarde durante o evento para discutir o que chamaram de “alcance limitado da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável”.

Andanças e quitutes

Na reunião da SBPC, um dos pontos elogiáveis foram os esforços para garantir a acessibilidade – pelo menos parcial – de cadeirantes e deficientes auditivos e visuais. “É impensável, daqui em diante, organizar uma conferência sem considerar a acessibilidade como algo absolutamente fundamental”, disse Nader.

“Minha única queixa foi quanto aos caminhos e acessos nem sempre tão amigáveis que ligavam os diversos espaços do evento”, disse o economista Clóvis Cavalcanti, da Universidade Federal de Pernambuco. Para os não habituados com o Sol tórrido da latitude 2º Sul, acompanhado da elevada umidade relativa do ar de uma das três capitais insulares do Brasil, o comentário faz todo o sentido. “Mas o conteúdo da reunião, como sempre, foi de primeira qualidade.”

A propósito, a satisfação não foi tão somente acadêmica; pois não é em qualquer lugar que se pode unir ciência com tapioca, cupuaçu e suco de bacuri. Isso sem mencionar o arroz de cuxá, entre outros quitutes maranhenses que deverão entrar para o cardápio de lembranças gastronômicas dos participantes do evento.

Anote aí: em 2013, a Reunião Anual da SBPC acontecerá em Pernambuco. E, em 2014, possivelmente no Acre.

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Fonte: Ciência Hoje