O vírus da AIDS foi identificado pela primeira vez em 1981 há quase 40 anos e, todos sabem, não há no horizonte qualquer perspectiva de uma vacina que seja eficaz. Existem bons tratamentos que fazem com que pessoas que deram positivo em seus exames convivam com o vírus em seu corpo e levem uma vida absolutamente normal. O que era o coquetel de remédios que seríam necessários serem tomados ao dia, hoje resume-se a um ou dois comprimidos.

Apresento a vocês a seguir os números da AIDS no mundo em seus 39 anos de vida:

1. São 38 milhões de pessoas infectadas e vivendo com o vírus (isso significa quase que um milhão de infecções ao ano), dos quais apenas 25 milhões têm acesso aos remédios antivirais;

2. Já temos 32 milhões de pessoas que morreram nesse período (o que perfaz quase um milhão de mortes por ano);

4. Entre mortos e que convivem com o vírus, a AIDS envolveu 70 milhões de pessoas em quase 40 anos em que ela foi identificada (entre infectados que seguem vivos e os que morreram dá um total de 1,8 milhões de pessoas por ano ou 150 mil por mês).

Dezenas de campanhas mundiais foram feitas para tomar precauções, pois tanto quanto o Corona, a AIDS não tem cura e, quando muito, pode ser tratada. Sabemos que a transmissão é feita pelo esperma e pelo sangue, de forma que beijos e abraços jamais foram proibidos entre as pessoas. No caso do Corona, a ação maior é o isolamento, mas simplesmente para evitar que os sistemas de saúde colapsem com tanta gente doente.

A maior arma para evitar a contaminação pela AIDS foi e continua sendo a velha e boa camisinha (ainda que a maioria dos homens não goste de usá-las… alguns mencionam que é como chupar uma bala com o invólucro).

Vamos aos dados do vírus Corona. Quero lembrar que primeiro caso confirmado ocorreu no dia 1º de dezembro na China, de forma que no próximo domingo, 1º de junho, completaremos apenas seis meses entre a identificação da doença, as primeiras mortes e a decretação da pandemia mundial. No momento que escrevo este artigo (25 de maio de 2020, às 13h), a situação é a seguinte: 5,5 milhões de infectados no mundo; 350 mil mortos e 2,3 milhões de recuperados mas NÃO CURADOS. Este número pode ser comparado aos 38 milhões de pessoas que convivem com a AIDS (Fonte: https://bit.ly/3glAaDa). 

Minhas primeiras conclusões apenas do ponto de vista estatístico: 

1. A AIDS matou desde 1981 uma média de 70 mil pessoas ao mês (32 milhões/468 meses) e o Corona mata 60 mil/mês (350 mil/6 meses). Aparentemente, uma letalidade parecida; 

2. A AIDS infectou 160 mil pessoas (70 milhões/468 meses) ao mês e o Corona infectou 900 mil pessoas por mês (5,5 milhões/6 meses; quase seis vezes mais!!!), em função da facilidade na transmissão; 

3. A média de infectados por AIDS que têm tratamento e convivem com a doença  atinge 80 mil pessoas ao mês, que são as contagiadas e não vêm à óbito (38 milhões/468 meses)  enquanto que no caso do Corona (2,3 milhões de infectados não curados vivos) em seis meses perfaz 380 mil pessoas infectadas que convivem com a doença ao mês (portanto sete vezes mais).

Ou seja, nós ainda não demos conta da extrema letalidade e facilidade de contágio que o Corona tem entre humanos. Se a AIDS era transmitida basicamente pelo sexo, este novo vírus é transmitido por gotículas de saliva, e entra em nosso organismo pela boca, nariz e olhos!!! Existem vários estudos que calculam quantas vezes por hora tocamos nosso rosto INVOLUNTARIAMENTE. Trabalho aqui com o número MENOR desses estudos, que é de 23 vezes a cada hora. Se uma pessoa dorme oito horas, ela toca o seu próprio rosto ao dia uma média de 368 vezes!!! Em boa parte desses toques ela pode estar levando vírus ao seu corpo. O máximo que conseguimos até agora na prevenção – que no caso da AIDS era camisinha – foi o uso de máscaras com uma, duas, três e até quatro camadas.

Mas, também como no caso do vírus da AIDS, milhões de pessoas podem estar contaminadas mas são assintomáticos, ou seja, não apresentam nenhum sintoma de doenças chamadas oportunistas. Da mesma forma, milhões já podem estar contaminados pelo Corona, não sabem, são assintomáticas e podem estar transmitindo inclusive para suas famílias (casais que se beijam, filhos etc.). Eu sai de casa uma vez por semana nas últimas 12 semanas. Neste final de semana fiquei refletindo: eu posso estar contaminado, mas não tenho nenhum sintoma da doença. Será que posso fazer o exame? Não farei, até porque a política de combate ao vírus no Brasil é literalmente a pior do mundo e nem de longe passa pelas políticas desse governo testar em massa a população como alguns países mais desenvolvidos fazem.

Por fim, quero entrar na discussão da mudança comportamental. Serão muitas. Com relação ao trabalho e ao estudo, já não se tem mais dúvidas de que serão intensamente remotos. Mas, o próprio toque em encontros será alterado. Não mais poderemos tocar as mãos e nos abraçarmos. Beijar então, nem em sonho. E não tem sentido cumprimentar pessoas com o cotovelo. Talvez o modo japonês imperial de curvar-se levemente para frente ou o modo indiano com as mãos postas na forma de reza. Jamais poderemos voltar a beijas amigos e amigas, parentes, crianças e mesmo dar-lhes abraços. Isso alterará a forma de nos relacionarmos e de forma profunda.

Só nos resta aguardar que a vacina chegue logo. Mas, porque chegaria em 12 meses se a da AIDS faz 368 meses que se tem feito pesquisas e nada se descobriu até agora? Isso é altamente preocupante. Como não sou biólogo ou infectologista. Imagino que aqueles que falam em vacina em 12 meses devem ter chegado à conclusão de que este vírus sería mais simples de produzir vacina do que o vírus da AIDS. Espero que estejam certo.

Ainda assim, se tivermos que esperar mais 12 meses (previsão otimista), seguramente teremos no Brasil pelo menos 12 milhões de infectados confirmados (jamais saberemos quantos contaminados assintomáticos) e pelo menos quase um milhão de mortos.

Até para nós, do campo da esquerda, campo popular, campo progressista, como vocês queiram chamar, as coisas ficaram mais complicadas. Se a nossa força sempre foi as demonstrações de protestos nas ruas, como faremos agora? De que adianta e que força teremos milhares e até milhões nas redes, seja ao vivo, seja em correntes de memes.

Tempos difíceis vamos viver. Espero que os quase três mil deuses devidamente catalogados que as dez mil religiões os adoram – ainda que eu não creia em nenhum – nos ajudem. Temo que não nos ajudarão. Até porque eles não existem.

* Sociólogo, professor universitário (aposentado), escritor de 13 livros (alguns em coautoria). Atualmente exercendo a função de analista internacional, sendo comentarista da TVT, da TV 247 e do Canal Resistentes, por streaming no YouTube.