Se as prisões fazem pensar à famosa observação de Tolstoi sobre as famílias infelizes: “Cada qual é infeliz à sua maneira”, existem, no entanto, pontos em comum com relação às prisões; o reconhecimento cruel e angustiante de que outra pessoa além de você tem total autoridade sobre sua vida.

Minha esposa e eu acabamos de visitar uma prisão para ver aquele que é indiscutivelmente o maior prisioneiro político da atualidade, uma pessoa de suprema importância na nossa política global contemporânea.
Pelo padrão das prisões americanas que já vi, a prisão federal de Curitiba, (Brasil) não é das mais terríveis ou opressoras – ainda que o nível não seja lá muito alto. Não é nada parecida com as poucas que visitei no exterior, não se parece nem de perto com a prisão de Khiyam em Israel, no Sul do Líbano, que depois foi bombardeada até sua completa destruição para apagar o crime e está muito longe dos horrores indescritíveis da prisão Vila Grimaldi de Pinochet, onde aqueles que sobreviveram à série de torturas com toques de requinte eram jogados em uma torre até que apodrecessem. Sem dúvida, sua suposta “normalidade” é um dos meios para assegurar que o primeiro experimento neoliberal sob a supervisão dos economistas de Chicago possa continuar sem o embaraço das vozes dissonantes.

No entanto, não deixa de ser uma prisão.

O prisioneiro que nós visitamos, Luiz Inácio Lula da Silva – ou “Lula” como ele é conhecido mundialmente – foi condenado à prisão perpétua, em um confinamento solitário, sem acesso à imprensa ou aos jornais e com visitas limitadas uma vez por semana.

No dia seguinte à nossa visita, um juiz, citando a liberdade de imprensa, acedeu ao pedido do maior jornal do país, a Folha de São Paulo, para que pudesse entrevistar Lula, mas outro juiz rapidamente interveio e derrubou essa decisão, apesar do fato de que entrevistas com os mais violentos criminosos presos do país – líderes de milícias e traficantes de drogas – são rotineiras.

Para a estrutura de poder brasileiro, prender Lula não é suficiente, eles querem assegurar que a população, que está se preparando para votar, seja privada de ouvi-lo de qualquer maneira e para isso estão dispostos a usar de todos os meios.

O juiz que reverteu a autorização não estava inaugurando um novo precedente. Um de seus predecessores foi o promotor da condenação de Antonio Gramsci pelo governo Fascista de Mussolini que declarou, “temos de impedir seu cérebro de trabalhar durante 20 anos.”

“A história nunca se repete, mas ela freqüentemente rima” como o observou Mark Twain.

Ficamos animados, mas não surpresos, de observar que malgrado as condições severas e o chocante erro judiciário, Lula permanece dinâmico como sempre, otimista sobre o futuro e cheio de idéias sobre como tirar o Brasil da via desastrosa que vem trilhado.

Há sempre pretextos para a prisão – talvez válidos, talvez não – mas faz sentido no mais das vezes, buscar quais são as razões no caso em questão. É assim agora. A primeira acusação contra Lula baseada em uma delação premiada de um homem de negócios acusado de corrupção é que ele teria recebido um apartamento no qual nunca viveu. Está longe de ser uma prova avassaladora.

O pretenso crime é quase que imperceptível pelos padrões brasileiros – e há muito que dizer sobre esse conceito, ao qual voltarei mais tarde. Além disso, a sentença é tão desproporcional para o crime que lhe é imputado que torna-se necessário ir atrás das verdadeiras razões. Candidatos não brotam facilmente. O Brasil está enfrentando uma eleição que tem uma importância crítica para seu futuro. Lula é de longe o candidato mais popular e venceria facilmente uma eleição justa. Tal desenlace não é o preferido da plutocracia.

Apesar de suas políticas – quando estava no poder – serem consideradas como conciliadoras com os interesses da finança interna e externa, ele é desprezado pelas elites, em parte, sem dúvida, pelas suas políticas de inclusão social e de benefícios para os despossuídos, mas outros fatores parecem intervir: basicamente, o ódio de classe. Como pode ser permitido a um pobre trabalhador sem educação superior que nem fala corretamente o português, governar nosso país?

No poder, Lula foi tolerado pelo Poder Ocidental, mas com reservas. O entusiasmo despertado pelo sucesso que angariara com seu Ministro de Relações Exteriores Celso Amorim, ao colocar o Brasil no centro da cena mundial, confirmando as previsões de um século atrás nas quais o Brasil se tornaria o “colosso do Sul”, era limitado. Algumas de suas realizações eram severamente condenadas, particularmente suas iniciativas para a resolução do conflito sobre o programa nuclear do Irã, em parceria com a Turquia em 2010, restringindo a insistência americana em dominar a cena internacional. De modo geral, o papel de liderança do Brasil para a promoção de forças independentes do Poder Ocidental na América Latina e além, fora acolhido com dificuldade por aqueles que estavam acostumados a dominar o mundo.

Com Lula impedido de concorrer, há uma grande chance de que o candidato favorito da direita, Jair Bolsonaro, possa ganhar a presidência e intensificar as políticas reacionárias do Presidente Michel Temer – que substituiu Dilma Roussef depois dela ter sofrido processo de impeachment através de um processo ridículo na etapa inicial do golpe branco agora em curso no país mais importante da América Latina.

Bolsonaro se apresenta como um autoritário inflexível e brutal, admirador do golpe militar, restaurador da “ordem”. Parte do seu apelo vem do fato de posar como um outsider que virá desmantelar o sistema político corrupto, desprezado com razão pelos brasileiros; uma versão local da pior reação em muitas partes do mundo aos efeitos do assalto neoliberal da última geração. Bolsonaro afirma não saber nada de economia, deixando essa área para o economista Paulo Guedes, um produto ultra liberal da Escola de Chicago.

Guedes é claro e explícito a respeito da solução que considera ser a melhor para o Brasil e seus problemas: “privatizar tudo”, toda a infra-estrutura nacional (Veja, 22 de agosto) a fim de pagar a dívida aos predadores que  estão roubando o país ludibriado. Literalmente tudo, garantindo que o país declinará a um ínfimo grau de insignificância, como um joguete nas mãos dos mais ricos e das instituições financeiras dominantes. Guedes já trabalhou por um tempo no Chile, sob a ditadura de Pinochet, então pode vir a ser interessante relembrar os resultados da primeira experiência do neoliberalismo de Chicago.

A experiência, iniciada depois do golpe militar de 1973 – que lhe preparou o terreno através do terror e da tortura – foi conduzida sob as melhores condições. Não podia haver nenhum tipo de dissensão, a organização da Villa Grimaldi e outras afins cuidaram disso. O regime era fiscalizado, na economia, pelos super stars da escola de Chicago. Ele tinha um apoio imenso dos Estados Unidos, do mundo corporativo e das instituições financeiras internacionais. Os planejadores econômicos eram suficientemente sensatos para não interferir na eficientíssima companhia nacionalizada de minas de cobre, Codelco, a maior no mundo, esteio da economia.

Durante poucos anos, a experiência foi muito elogiada e depois veio o silêncio. Apesar de estar sob condições quase ideais, lá pelos idos de 1982, os “Chicago Boys” conseguiram quebrar a economia. O Estado teve de assumir uma parte maior da economia do que sob Allende. Ironicamente o ocorrido foi chamado de “A Via de Chicago ao Socialismo”. A economia retornou em larga escala aos gestores tradicionais e retomou o crescimento, mas ficou marcada por resíduos do desastre na educação, nos sistema de proteção social e muitos outros.

Voltando às prescrições da dupla Bolsonaro-Guedes para derrubar o Brasil, é importante ter em mente o enorme poder que o setor financeiro possui na economia política brasileira. O economista brasileiro Ladislau Dowbor conta como, quando a economia brasileira caiu em recessão em 2014, os principais bancos aumentaram seus lucros de 25 a 30 %, “uma dinâmica em que mais os bancos lucram, mais a economia perde fôlego” porque os “intermediários financeiros não financiam a produção, mas sugam-na”. (“A era do capital improdutivo”).

Além disso, continua Dowbor, “depois de 2014, o PIB caiu brutalmente enquanto que os juros e os lucros dos intermediários financeiros subiram anualmente entre 20 a 30%”, um claro sinal de que o sistema financeiro “não serve a economia, mas, pelo contrário, se nutre dela. Trata-se de produtividade líquida negativa. A máquina financeira está vivendo a expensas da economia real.”

O fenômeno é global. Joseph Stiglitz resume a situação de forma simples: “Onde, antigamente, a finança era um mecanismo para injetar dinheiro nas empresas, agora funciona para extrair dinheiro das mesmas.” Essa é uma das brutais reviravoltas da política sócio-econômica trazida ao mundo com o ataque neoliberal, junto com a monstruosa concentração do capital em algumas mãos, enquanto a maioria não sai do sufoco, os benefícios sociais declinam e o funcionamento da democracia é solapado com ferramentas óbvias enquanto que o poder econômico se vê cada vez mais concentrado nas mãos de instituições financeiras predadoras. As conseqüências são a principal raiz do ressentimento, raiva e desprezo pelas instituições no poder que estão se alastrando através do mundo, conhecidas como “populismo”.

Esse é o futuro planejado pela plutocracia e pelos seus candidatos favoritos. Seria barrado por uma nova presidência de Lula que trouxe proventos às instituições financeiras e ao mundo dos negócios, mas não o suficiente na era do capitalismo selvagem.

É importante nos atermos um momento sobre o que ocorreu no Brasil durante os anos Lula – “a década de ouro”, nas palavras do Banco Mundial em maio de 2016. Durante estes anos, um estudo do banco relata que:

“O progresso econômico do Brasil tem sido excepcional e notado internacionalmente. Desde 2003 [inicio do mandato de Lula], o país ganhou renomada internacional graças a seu sucesso na redução da pobreza e da desigualdade e sua habilidade na criação de empregos. Políticas inovadoras e eficientes para a redução da pobreza e para assegurar inclusão social de grupos anteriormente excluídos tiraram milhões de pessoas da miséria.

Ademais, o Brasil vem assumindo responsabilidades globais. Foi bem sucedido na busca pela prosperidade econômica sem sacrificar a proteção do seu patrimônio natural único. O Brasil tornou-se um dos mais importantes novos credores, com extensos engajamentos particularmente na África Subsaariana e um player líder nas negociações sobre o clima global. O caminho de desenvolvimento trilhado na última década mostrou que o crescimento com prosperidade compartilhada, em harmonia com o respeito pelo meio ambiente, é possível. Os brasileiros têm razão em orgulhar-se desses sucessos reconhecidos internacionalmente.”

Ao menos alguns brasileiros, mas não aqueles que detêm o poder econômico.

O relatório do Banco Mundial rejeita a opinião generalizada de que esse progresso substancial era “uma ilusão criada pelo boom das commodities, mas insustentável no ambiente internacional menos favorável da atualidade.” Ele responde a essa alegação com um “‘não´ fundamentado. Não há razão para que os ganhos socioeconômicos recentes sejam revertidos; eles devem na verdade ser ainda mais amplificados com as políticas corretas.”

As políticas corretas deveriam incluir mudanças radicais na estrutura geral que foi instalada durante os anos Lula-Dilma – quando as demandas da comunidade financeira foram acolhidas já que mantidas as políticas dos anos de FHC, incluindo a baixa imposição dos ricos (freqüentemente evitada graças à fuga massiva dos capitais em direção aos paraísos fiscais) e as taxas de juros absurdas que levaram ao surgimento de fortunas para uma pequena minoria atraindo o capital para o setor financeiro ao invés do investimento produtivo. A plutocracia e o monopólio da mídia acusam as políticas sociais de drenar a economia, mas na verdade os estudos econômicos mostram que o efeito multiplicador da ajuda financeira para os pobres desenvolveram a economia, enquanto que a renda financeira provinda das taxas de juros escorchantes e outros presentes à finança foram as causas reais da crise de 2013 – uma crise que poderia ter sido ultrapassada pelas “políticas corretas”.

O eminente economista brasileiro Luiz Carlos Bresser Pereira, ex Ministro da Fazenda, identifica resumidamente o fator determinante na atual crise em curso: “Não há uma razão econômica” para o bloqueio das despesas públicas e a manutenção das altas taxas de juros, “a causa fundamental das altas taxas de juros no Brasil é o poder dos donos do dinheiro e dos financistas” com suas drásticas conseqüências, ajudados pelos parlamentares (eleitos com financiamento empresarial) e o monopólio da mídia que é essencialmente a voz do poder privado.

Dowbor ressalta que durante a história moderna brasileira, desafios à estrutura regressiva levaram a golpes de estado, “a começar pela demissão e suicídio de Vargas [em 1954] e o golpe militar de 1964” (amplamente apoiado por Washington). Há uma boa chance de que algo muito parecido esteja acontecendo durante o golpe branco que está em curso desde 2013. Essa campanha das elites tradicionais, agora concentradas no setor financeiro e apoiada pela mídia altamente monopolizada, chegou ao ponto máximo quando Roussef procurou reduzir as taxas de juros exóticas a níveis mais civilizados, ameaçando diminuir o fluxo do dinheiro fácil para o pequeno setor que possuía todas as benesses nos mercados financeiros.

A presente campanha para preservar o sistema e inverter as conquistas da “década gloriosa”, está explorando a corrupção na qual o Partido dos Trabalhadores governado por Lula, conhecido por PT, participou. A corrupção é real e séria, embora, distinguir o PT para demonizá-lo é puro cinismo considerando os deslizes dos acusadores. Além disso, como já foi mencionado, as acusações contra Lula, ainda que se quisesse dar-lhes crédito, não podem ser tomadas como ponto de partida para a punição administrada, que é excluí-lo do sistema político. Tudo o que foi dito o qualifica como um dos prisioneiros políticos de maior importância do momento.

A reação costumeira da elite quando há ameaças ao sistema da economia sócio-política do Brasil se reflete na resposta internacional aos desafios que o Sul Global apresenta ao sistema neocolonial, deixado após séculos de devastação imperial do Ocidente. Nos anos 50, nos primórdios da descolonização, o Movimento dos Não Alinhados buscou penetrar no sistema internacional. Ele foi rapidamente colocado no seu lugar pelo poder Ocidental. Um dos símbolos dramáticos disso foi o assassinato – pelos belgas, donos do poder tradicional (surpreendendo até a CIA) – do líder congolês extremamente promissor, Patrice Lumumba. O crime e seus desdobramentos acabaram com as esperanças de um país que poderia ser um dos mais ricos do mundo, mas que permanece estigmatizado como “Horrendo! Horrendo!” gozando da ampla participação dos torturadores tradicionais da África.

Contudo, a voz perturbadora das vítimas tradicionais continuou quebrando o silêncio enquanto a descolonização prosseguia seu curso agonizante. Nos anos 60 e 70 com contribuições substanciais dos economistas brasileiros, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento pôs à frente planos para uma Nova Ordem Econômica Internacional, nos quais os interesses das “sociedades em desenvolvimento”, por sinal a grande maioria da população mundial, seriam considerados. Essa iniciativa foi rapidamente esmagada pela regressão neoliberal.

Alguns anos depois, através da UNESCO, o Sul Global veio clamar por uma Nova Ordem Internacional referente à Informação que abriria o sistema global de comunicação e mídia a uma participação externa, independente do monopólio virtual do Ocidente. Isso deu vazão a um ataque histérico por parte de várias correntes políticas, lançando mão de acusações absurdas e ridículas, e à saída do Presidente Ronald Reagan da UNESCO a partir de pretextos inverossímeis. Tudo isso foi exposto em um estudo devastador (ainda que não lido) realizado pelos acadêmicos William Preston, Edward S. Herman e Herbert Schiller (“Hope and Folly”).

Também silenciado perniciosamente foi o estudo de 1993 realizado pelo Centro Sul mostrando que a hemorragia de capital dos países pobres para os ricos se fez em fase com exportação de capital ao FMI e ao Banco Mundial, agora “receptores claros de recursos dos países em desenvolvimento.” Aconteceu o mesmo com a declaração do primeiro encontro da Cúpula Sul reunindo 133 Estados em 2000 que se transformou em uma resposta à auto-adulação do Ocidente sobre sua doutrina de “intervenção humanitária”. Aos olhos do Sul Global, o assim chamado “direito de intervenção humanitária é uma cobertura para o imperialismo, “o qual não possui uma base legal na Carta das Nações Unidas ou nos princípios gerais da lei internacional.”

Não surpreende o fato do poder não apreciar desafios e ter em mãos inúmeras formas de rechaçá-los ou de simplesmente silenciá-los.

Algo deve ser dito sobre a corrupção política endêmica na América Latina, freqüentemente denunciada de forma cinicamente ingênua no Ocidente. É bem verdade que trata-se de uma praga que não deve ser tolerada.

Mas a praga raramente se limita ao “mundo em desenvolvimento”. Não é uma mera aberração quando grandes bancos são condenados a pagar uma multa de dezenas de bilhões de dólares (JPMorgan Chase, Bank of America, Goldman Sachs, Deutsche Bank, Citigroup) geralmente através de acordos, de tal forma que ninguém seja legalmente culpado pelas atividades criminosas que destroem milhões de vidas. Deve-se observar que “a América corporativa acha cada vez mais difícil estar do lado da lei”. Segundo relato do London Economist de 30 de agosto de 2014, houve 2.163 condenações de empresas entre 2000 e 2014 e a América corporativa possui inúmeras empresas na City de Londres e no continente.

A corrupção vai desde a escala massiva acima ilustrada até mais insignificante crueldade. Um exemplo particularmente vulgar e instrutivo é o roubo de salários, uma epidemia nos Estados Unidos. São estimados que dois terços dos trabalhadores com baixos salários tenham sua remuneração furtada de seus salários todas as semanas, enquanto três quartos tenham parte ou a integralidade de suas horas extras remuneradas roubadas. As quantias furtadas dos contracheques de seus funcionários são anualmente superiores àquela dos furtos a bancos e postos de gasolina e lojas de conveniência. Na prática, não há execução legal. Manter essa impunidade é estratégico para o mundo dos negócios, ao ponto de tornar-se uma grande prioridade para o principal lobby de negócios, o American Legislative Exchange Council que tem uma ampla participação corporativa.

A primeira tarefa do ALEC é desenvolver legislação para os Estados, um objetivo fácil tendo em vista a confiança dos legisladores nos fundos corporativos e na atenção limitada que recebem na mídia. Os programas sistemáticos e intensos da ALEC são, por conseguinte capazes de mudar os contornos da política do país inteiro sem chamar a atenção, um ataque furtivo à democracia com efeito substancial. Uma das suas iniciativas legislativas é assegurar que o furto de salários não será sujeito à inspeção ou aplicação na lei.

Mas a corrupção que é tecnicamente criminosa, seja ela em massa ou pequena, é apenas a ponta do iceberg. A maior corrupção é legal. Por exemplo, o recurso aos paraísos fiscais que drenam estimativamente um quarto ou mais dos 80 trilhões de dólares da economia global, criando um sistema econômico independente, livre de controle e regulação, um paraíso para todos os tipos de atividades criminosas, tanto quanto para a sonegação de impostos. Também não é tecnicamente ilegal para a Amazon, que acabou de tornar-se a segunda corporação de trilhões de dólares, ter-se beneficiado de imensa isenção de impostos sobre as vendas. Ou, usar aproximadamente 2 % da eletricidade dos Estados Unidos a tarifas extremamente reduzidas, beneficiando-se de “uma tradição americana antiga para a transferência de custos de empresas para os residentes pobres que já pagam três vezes mais de sua renda em contas de serviços públicos do que o fazem os domicílios mais prósperos”, como é relatado pela mídia.

E há inúmeros outros exemplos.

Outro exemplo importante é a compra das eleições, um tópico que foi estudado em profundidade, particularmente pelo cientista político Thomas Ferguson. Sua pesquisa, feita em conjunto com seus colegas, mostrou que a elegibilidade ao Congresso e ao poder executivo é previsível com uma precisão incrível a partir de uma única variável: a despesa de campanha. Uma tendência muito importante que vai buscar suas raízes na história política americana e que se estende até a eleição de 2016 (Ferguson, Golden Rule; Ferguson et al., “Industrial Structure and Party Competition in an Age of Hunger Games: Donald Trump and the 2016 Presidential Election,” Working Paper No. 66, Jan. 2018, Institute for New Economic Thinking). Transformar a democracia formal em um instrumento nas mãos da riqueza privada é perfeitamente legal, mas, diferente do flagelo Latino Americano, não a corrupção,.

Isso não significa que a interferência nas eleições esteja fora da agenda. Pelo contrário, a suposta interferência russa nas eleições de 2016 é uma das principais questões na ordem do dia, um tema intensamente investigado e comentado histericamente. Por outro lado, o papel massacrante do poder corporativo e da riqueza privada na corrupção das eleições de 2016, seguindo uma tradição que remonta a um século é raramente observada. Afinal de contas, ela é perfeitamente legal, até endossada e estimulada pelas decisões da Suprema Corte mais reacionária dos últimos tempos.

Comprar eleições é a última das intervenções corporativas na intocável democracia americana que vem sendo manchada pelos hackers russos (com resultados imperceptíveis). As despesas de campanha atingem cumes nunca antes vistos mas isso é eclipsado pelo ação lobista, estimada cerca de dez vezes maior, um flagelo que cresceu rapidamente desde os primórdios da regressão neoliberal. Os efeitos na legislação são imensos, ultrapassando de longe a redação da legislação, literalmente, pelos lobistas, enquanto os representantes do congresso que assinam a fatura estão ausentes, ocupados pela conquista de fundos para a nova eleição.

Corrupção é sem dúvida uma praga no Brasil e na América Latina, geralmente, mas trata-se de players menores na competição.

Tudo isso nos traz de volta à prisão, na qual um dos mais importantes prisioneiros políticos do período atual é mantido no isolamento para que o golpe branco no Brasil possa continuar seu curso, com prováveis conseqüências graves para a sociedade brasileira e para o resto do mundo, tendo em vista o papel potencial do Brasil a nível mundial.

Pode prosseguir em curso, caso seja tolerado o que está acontecendo.

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