O jornal britânico “The Guardian” trouxe em janeiro reportagem sobre uma queda de braço entre os Estados Unidos e o Canadá a respeito da importação de aeronaves. De um lado, estava a norte-americana Boeing. Do outro, a canadense Bombardier.

A Boeing acusou a Bombardier de vender jatos abaixo do preço de custo para a companhia norte-americana Delta Airlines e disse que o dumping teria sido financiado por subsídios ilegais dos governos do Canadá e do Reino Unido (este último está interessado no tema porque uma das principais fábricas da Bombardier fica na Irlanda do Norte).

Por conta disso, o presidente dos EUA, Donald Trump, chegou a ameaçar subir os impostos de importação da Bombardier em 292%.

No dia 25, no entanto, a Comissão de Comércio Internacional dos EUA votou por unanimidade em favor da companhia canadense, o que deve salvar milhares de empregos na Irlanda do Norte.

O que eu pretendo realçar não diz respeito a essa disputa em si, por mais que seja instigante dada a importância econômica e geopolítica da fabricação de aviões.

Chamo a atenção para um fato que pode ter passado despercebido por aqui: os protagonistas da contenda não foram os presidentes das empresas, nem seus respectivos departamentos jurídicos, mas os principais líderes políticos dos três países envolvidos. A luta entre Boeing e Bombardier foi, na verdade, uma importante queda de braço entre Theresa May e Justin Trudeau, de um lado, e Trump, de outro.

Foram eles que usaram sua força para pressionar a Comissão de Comércio Internacional dos EUA em favor dos interesses de seus respectivos países.

A história começou quando Trump, preocupado com o avanço da empresa canadense sobre o mercado da Boeing, decidiu estabelecer taxas que preservassem o mercado americano para a empresa de seu país, dificultando a entrada de aeronaves fabricadas pela concorrente.

A justificativa para estabelecer a taxação? Os governos do Canadá e do Reino Unido teriam oferecido subsídios pesados para a Bombardier, de modo que não haveria livre concorrência no caso.

Trump lutando pela Boeing. Trudeau, pelos interesses geopolíticos e tecnológicos do Canadá. May, pelos empregos em Belfast.

Enquanto esses governos lutam com unhas e dentes pelos interesses de suas empresas estratégicas e pelo emprego qualificado de seus trabalhadores, o que o Brasil faz?

Promove uma política econômica que desindustrializa o país, aceita e patrocina um processo violento de desnacionalização e, justamente na aviação, apesar do jogo de cena, permite que a Embraer seja comprada pela Boeing.

Esse caso da disputa que citamos é muito representativo. Dizer que os países desenvolvidos deixam o mercado agir livremente é uma mentira mal-intencionada.

Prova ainda a importância estratégica da indústria de ponta, especialmente em um setor decisivo, inclusive para assuntos de defesa, como o da fabricação de aviões.

E, por último, demonstra que qualquer governo comprometido com o desenvolvimento tem a obrigação de proteger, incentivar e fomentar sua indústria.

Essas são as regras do jogo geopolítico internacional. Diante delas, só há duas opções: lutar pelos interesses do país ou traí-lo, transformando-o em um quintal neoextrativista habitado por um povo pobre e sem perspectiva.

*Manuela d’Ávila é deputada estadual (PCdoB-RS) e pré-candidata do partido à Presidência da República.

Publicado na Folha de S.Paulo